Páginas obrigatórias do nosso Blogue cubalense

29 novembro 2025

A paixão sobre rodas e a saudade do meu pai Raúl: O último "Voo" do BMW 2800 CS

 

O imponente BMW 2800 CS

A paixão do meu saudoso pai, Raúl, pelo mundo automóvel não era apenas um passatempo; era uma forma de estar na vida, que ficou eternizada em imagens de belas viaturas que ele adquiria e comercializava na nossa terra, no Cubal.

Ainda hoje, fecho os olhos e lembro-me vividamente da rotina que antecedia a chegada de uma nova "máquina". Ele despedia-se de nós em casa, dizia que ia a Benguela ou ao Lobito apanhar o avião da DTA e rumava a Luanda. O objetivo? Adquirir mais uma "bomba" e regressar num instante. E assim era.

Recordo-me tantas vezes da sua chegada de regresso ao Cubal. Vinha de percorrer 600 ou 700 quilómetros, muitas vezes em estradas que não eram propriamente propícias a grandes velocidades ou a carros baixos. Chegava já de madrugada, "estoirado" após horas de condução, mas com o brilho nos olhos de quem trazia algo especial. A sua experiência em mecânica e um instinto inato faziam com que trouxesse sempre belas máquinas, que mais tarde faziam as delícias de diversos cubalenses que as adquiriam.

Mas houve uma viatura que marcou a nossa história familiar de forma diferente. Foi a sua última viatura em Angola: um magnífico BMW 2800 CS, matrícula ANL-30-70.

Curiosamente, este não veio de Luanda, mas foi adquirido, salvo erro, ao Dr. Pinto da Cruz, em Nova Lisboa. Foi neste carro, um verdadeiro ícone de design e potência, que vivi as melhores experiências de velocidade — um segredo cúmplice entre pai e filho, que "não era para se dizer".

Eu, ainda garoto, quando não tinha aulas, aguardava ansiosamente por aquela frase mágica:
"Júlia, vou ali a Benguela buscar umas peças para a oficina e já venho... levo o Ruquinha."

A minha mãe, Júlia, ficava sempre sobressaltada. Ela conhecia bem o "pé pesado" do meu pai e sabia que aquela viagem de ida e volta demoraria apenas duas horas e pouco. Mas a verdade é que, apesar da potência do carro, ele foi sempre muito responsável quando eu seguia a bordo.

Essas viagens eram um prazer indescritível. Não só as idas a Benguela, mas também os passeios à Ganda, à loja do Sr. Júlio Fonseca (outro grande amante de viaturas), onde o Sr. Romão tinha sempre uma tablete de chocolate pronta para me oferecer. Eram tempos de ouro.

Na foto acima, o BMW repousa imponente numa estrada de terra, num contraste belíssimo com a paisagem africana. Na foto abaixo, em Benguela, estamos eu e a minha mãe, testemunhas de uma época feliz.

Fica aqui o registo da sua última viatura em Angola e, acima de tudo, a saudade imensa de um pai extraordinário que merecia ainda estar connosco para partilhar estas memórias.

🖤Ruca

Eu e a minha mãe Júlia em Benguela

28 novembro 2025

"O ALVES" Uma memória de Bibito (Rodrigo Guerra) partilhada com o CUBAL ANGOLA TERRA AMADA!

 

O ALVES

Uma memória de Bibito (Rodrigo Guerra) 

partilhada com o CUBAL ANGOLA TERRA AMADA!

*Ilustração da aterragem de "O ALVES"*

Era de Benguela, mas visitava frequentemente o Cubal.

Pai do nosso grande amigo Victor Alves de que todos se devem recordar não só por ter sido bancário no Cubal como também pela grande atividade desportiva e colaboração que prestou ao nosso Recreativo que graças ao dinamismo do Victor viu a sua equipe de futebol disputando o campeonato angolano.

Porém, era o Victor ainda criança quando certa noite a população do Cubal viu a sua rotina quebrada pelo barulho de um avião sobrevoando a povoação, melhor, uma avionete como se chamavam os pequenos monomotores de dois lugares.

Toda a gente saiu de casa, às pressas, para apreciar o inédito espetáculo.

O avião deu uma volta larga e retornou. Desta vez, ao passar sobre a povoação, cortou o motor e de lá de cima se ouviu uma voz que gritava:

– Mandem carros para o campo! Mandem carros para o campo!

O povo não acreditava no que ouvia tal era o espanto e, de novo, calando o motor à passagem, o mesmo apelo:

– Mandem carros para o campo!

Saindo do estupor inicial causado pela surpresa, todos começaram a movimentar-se, gritando sugestões, tentando, enfim, colaborar na tentativa unânime de salvar o aflito piloto.

– Lanternas! Vamos levar lanternas! Quem tem lanterna, indagava um.

– Qualquer coisa que dê luz. Archotes. Vamos fazer archotes, aventava outro.

–Vamos depressa. O homem está em dificuldade, incentivava um terceiro

– Toquem o sino da Igreja, alguém gritou.

A esta altura, a pequena povoação habitualmente pacata, era sacudida por um movimento frenético. Carros, que poucos eram naquele tempo, vultos munidos de lanternas de mão, outros portando potentes farolins de caça, ainda outros, pelos lados do bairro dos ferroviários, com lanternas de cabeça, acessório obrigatório do equipamento profissional dos maquinistas, todos surgindo dos mais diversos pontos e movimentando-se rapidamente com o mesmo objetivo.

Ninguém se preocupou em tocar o sino da Igreja como foi sugerido nem foi necessário porque os ferroviários em serviço no depósito de máquinas, impedidos de comparecer, abriram as goelas das locomotivas ali estacionadas soltando seus estridentes apitos. Todos, enfim, tentando colaborar como podiam para ajudar o piloto em dificuldade.

O inusitado movimento, a gritaria, os apitos, provocaram não só desmaios entre senhoras como também um violento ataque de riso a outra cujo nome não me ocorre, mas com a curiosa alcunha de “Pior”. Lembro-me apenas que esta senhora era esposa do condutor Neto do CFB, cunhado, salvo erro, do sobejamente conhecido Sebastião das Neves.

Finalmente, esta pequena multidão caótica e sem liderança, com suas lanternas e faroletes, em harmonia com os carros que já ali se encontravam, conseguiu demarcar um retângulo luminoso que serviu para orientar o piloto sobre a posição do campo de pouso.

Logo o monomotor, agora orientado, aterrissou sobre alto capim e bissapas já que, por falta de demanda, o campo não era capinado havia longos meses.

Todos acorreram curiosos para ver quem ajudaram a salvar e os gritos de alegria foram ainda maiores quando o piloto assomou e reconheceram nele o velho amigo Alves.

- Estava quase sem gasolina. Se vocês atrasassem, eu teria aterrissado mesmo na rua - foi gritando, enquanto desembarcava, referindo-se com certeza à rua principal que era a única iluminada.

Foi um bom motivo para dali irem para o Hotel Central, do João d’Oliveira, mais tarde do Chumbo, do Santos Vilar, do Bocanegra e, finalmente do Rodrigues, único ponto social naquele tempo e ali vararam a noite bebendo e ouvindo o Alves contar a história pormenorizadamente e peripécias outras (verdadeiras ou inventadas) que passara pelos vastos céus da nossa Angola. Afinal, havia que aproveitar, pois ninguém sabia quando é que o Cubal teria ouro caso que alterasse a sua rotina pacata de pequena povoação.



*Ilustração da receção do piloto Alves junto ao Hotel Central*

Rodrigo (Bibito) Guerra

26 novembro 2025

🛶 Uma viagem de memórias: António Freitas de Oliveira no Cubal!

 🛶 Uma Viagem de Memórias: António Freitas de Oliveira no Cubal!

É com imensa alegria e entusiasmo que damos as boas-vindas ao colaborador do nosso espaço, o blogue CUBAL ANGOLA TERRA AMADA!.

Recebemos hoje o primeiro de vários textos e fotografias do nosso conterra António Freitas de Oliveira. O António, que está a preparar um livro baseado nas suas vivências de infância no Cubal, disponibilizou-se gentilmente para partilhar connosco alguns excertos em primeira mão.

O António traz-nos um olhar poético e profundamente pessoal, onde a recordação da terra se mistura com as paisagens, as figuras e as sensações de quem ali cresceu. A sua escrita, rica em expressões locais e em imagens que nos transportam no tempo, certamente irá despertar em muitos de nós aquele tão familiar e doce sentimento de saudade e reconhecimento.

Começamos esta colaboração com o texto "Visitas na Nossa Terra - I". Preparem-se para pedalar nos caminhos de areia, fintar galinhas e revisitar a "Baía Azul" e o "morro" do Cubal através dos olhos de um menino.

Sejam bem-vindos a esta viagem pela memória!



Visitas na Nossa Terra - (parte I)

As bicicletas levantavam a poeira que competia ao estreito caminho de areia 'doce de beijar borracha', sem importunar o óbito do kota Januário, ex-kapiangador do etílico azul de polir coronha de espingarda.

Os galináceos da aldeia fintavam o desfecho do Januário, desafios à morte em movimentos suicidas, 'valsas biscleteiras', danças do ventre em rodopio à kinga Ulisses!

A verdade é que o Tomé, kakuenje de um militar português, tremia junto com o capim soprados a vento descendente do morro, tudo o assustava, até os gambuzinos que atravessavam o atlântico para morder na Baía Azul, ali, aos olhos da Caotinha

- Então Tomé? Esses ananases? Apanhas? Ou preciso subir no escadote?

Bondades da infância, estigar o inocente pardal da Beira Alta, jeito de crescer africano com barba.

Todos os modos de ser criança são recriados nos anos somados, quando os cabelos da cal retirada dos tambores da missão do Kuando te fazem bater os sonhos, visitar os parentes que ficaram, os animais amigos, fecha só os olhos... vês melhor que na televisão, visitas a Nossa Terra.

(continua) 

@ntonioFreitasdeOliveira (texto/fotografia)