Era de Benguela, mas visitava frequentemente o Cubal. Pai do nosso grande amigo Victor Alves, de quem todos se devem recordar não só por ter sido bancário no Cubal, mas também pela grande atividade desportiva e colaboração que prestou ao nosso Recreativo. Graças ao dinamismo do Victor, a equipa de futebol disputou o campeonato angolano.
Porém, o Victor ainda era criança quando, certa noite, há 70 anos, a população do Cubal viu a sua rotina quebrada pelo barulho de um avião a sobrevoar a povoação, melhor, uma avioneta, como se chamavam os pequenos monomotores de dois lugares. Toda a gente saiu de casa, às pressas, para apreciar o inédito espetáculo.
O avião deu uma volta larga e retornou. Desta vez, ao passar sobre a povoação, cortou o motor e, lá de cima, ouviu-se uma voz que gritava: – Mandem carros para o campo! Mandem carros para o campo!
O povo não acreditava no que ouvia, tal era o espanto, e, de novo, calando o motor à passagem, o mesmo apelo: – Mandem carros para o campo!
Saindo do estupor inicial causado pela surpresa, todos começaram a movimentar-se, gritando sugestões, tentando, enfim, colaborar na tentativa unânime de salvar o aflito piloto. – Lanternas! Vamos levar lanternas! Quem tem lanterna? – indagava um. – Qualquer coisa que dê luz. Archotes. Vamos fazer archotes. – aventava outro. – Vamos depressa. O homem está em dificuldade. – incentivava um terceiro. – Eu levo uma vela… – gritava este. – Toquem o sino da Igreja… – berrava aquele.
A esta altura, a pequena povoação, habitualmente pacata, era sacudida por um movimento frenético. Carros (que não seriam mais de cinco naquela época), vultos munidos de lanternas de mão, outros portando potentes faróis de caça, ainda outros, pelos lados do bairro dos ferroviários, com lanternas de cabeça, acessório obrigatório do equipamento profissional dos maquinistas, todos surgindo dos mais diversos pontos e movimentando-se rapidamente com o mesmo objetivo.
Ninguém se preocupou em tocar o sino da Igreja, como foi sugerido, nem foi necessário, porque os ferroviários em serviço no depósito de máquinas, impedidos de comparecer, abriram as goelas das locomotivas ali estacionadas, soltando os seus estridentes apitos. Todos, enfim, tentando colaborar como podiam para ajudar o piloto em dificuldade.
O inusitado movimento, a gritaria, os apitos, provocaram não só desmaios entre senhoras, como também um violento ataque de riso a outra, cujo nome não me ocorre, mas com a curiosa alcunha de “Pior”. Lembro-me apenas que esta senhora era esposa do condutor Neto do CFB, cunhado, salvo erro, do sobejamente conhecido Sebastião das Neves.
Finalmente, esta pequena multidão caótica e sem liderança, com as suas lanternas e faróis, em harmonia com os carros que já ali se encontravam, conseguiu demarcar um retângulo luminoso que serviu para orientar o piloto sobre a posição do campo de pouso. Logo o monomotor, agora orientado, aterrou por sobre alto capim e bissapas, já que, por falta de demanda, o campo não era capinado havia longos meses.
Todos acorreram curiosos para ver quem ajudaram a salvar e os gritos de alegria foram ainda maiores quando o piloto assomou e reconheceram nele o velho amigo Alves. – Estava quase sem gasolina. Se vocês atrasassem, eu teria aterrado mesmo na rua – foi gritando, enquanto desembarcava, referindo-se com certeza à rua principal, que era a única iluminada.
Foi um bom motivo para dali irem para o Hotel Central, do João d’Oliveira, mais tarde do Chumbo, do Santos Vilar, do Bocanegra e, finalmente, do Rodrigues, único ponto social naquele tempo. Ali vararam a noite a beber e a ouvir o Alves contar a história pormenorizadamente e outras peripécias (verdadeiras ou inventadas) que passara pelos vastos céus da nossa Angola.
Afinal, havia que aproveitar, pois ninguém sabia quando é que o Cubal teria outro caso que o tirasse da pacata rotina de pequena povoação.
Rodrigo (Bibito) Guerra
Ilustração: Cubal Angola Terra Amada!