Clube Beneficente e Recreativo do Cubal
Tema:- Cinema e seus envolvimentos
1ªParte
Anos 50/60
ÀS 4ªs e sábados
todas as tardes uma carrinha com uma grande campânula percorria as ruas do
Cubal anunciando o filme da noite, através da voz do Bibito Guerra, acompanhado
dos últimos sucessos musicais da época, rock and roll.
Após o almoço, era
grande a azáfama em minha casa, já que éramos uma família grande e tínhamos de cuidar
das toilettes. Passava-se a roupa a ferro (de carvão), punha-se goma nos
saiotes e laçarotes (água com farinha de trigo), engraxavam-se os sapatos (de
verniz com azeite e os brancos com Blanco), vincavam-se as calças do meu pai e irmãos,
punham-se as palhetas nos colarinhos das camisas, limpavam-se os casacos de
fazenda com café. Depois de tudo pronto, estendiam-se as roupas nas camas
respectivas para serem usadas na devida altura.
Jantava-se mais
cedo e depois, cada um ia preparar-se para a grande sessão.
Eu e a Anita éramos
despachadas em primeiro lugar. As minhas irmãs Olga e Lisete penteavam-nos e
punham-nos uns laçarotes no cabelo com 6 ou 7 cm de largura, cheios de goma que
na cabeça mais pareciam umas borboletas gigantes. Diga-se de passagem, que
nunca gostei muito desses atavios, mas, naquele tempo, o regime era: come e
cala!
A Olga e a Lisete
levavam mais tempo nos seus preparativos. Ripavam o cabelo para poderem fazer
grandes poupas e para isso usavam água e limão para as mesmas ficarem bem
firmes. Punham pó de arroz, rouge, creme Pound's, batom e no fim o perfume
muito em voga, Tabu.
Tudo pronto, havia
ainda que por uns cintos muitos largos que eram apertados ao máximo para fazerem
uma cinturinha o mais estreita possível.
Todos estes
preparativos levavam o seu tempo e o meu pai impaciente a espera no portão.
A sessão começava
as 21 horas, ia-se sempre com antecedência por causa das praxes.
Quando se chegava
ao clube, já os rapazes estavam no cimo da escadaria em alegres cavaqueiras,
mas sempre atentos a chegada das suas eleitas. Naquele tempo, um a simples
troca de olhares era uma grande emoção e felicidade.
Os homens levavam
as mulheres aos seus lugares dentro da sala, sem que antes o Alexandrino
cortasse os bilhetes, saiam e iam para o salão jogar bilhar, "ping
pong", beber uma cerveja ou fumar. As senhoras, dentro da sala, saiam dos
seus lugares e iam ter umas com as outras e aproveitavam aquele tempinho para
porem a conversa em dia.
Nós, as crianças,
entravamos com os nossos pais, mas depressa nos escapávamos e íamos para fora
jogar as escondidas ou ao "canhe", ou então andar num celebre baloiço
que o Zé Lemos tinha feito numa acácia em frente ao clube.
Às 21 horas
começava a sessão.
2ª Parte
O CINEMA
Tal como o meu pai,
havia um certo número de pessoas que tinham lugar cativo, o que equivale a
dizer que existiam um determinado grupo de crianças e jovens que marcavam presença
em todas as sessões. Crianças até 12 anos não pagavam" bilhete".
Vou fazer uso da
minha memória fim de enumerar o nome das crianças que, salvo raras excepções, não
faltavam a uma sessão.
Anabela e Zé Simões,
Graça Gouveia, Dália Botelho, Olga Santos, Palmira, Maria Sampaio, Céu Canais,
Ana Maria Paulista, Gaby Ferreira, Teresa Mota, Anita e Nanda Valadas, Henrique
Faria, Carlos e Silvério Falcão, Zé e Quim Queirós, Zé Lemos, Chico Valadas, Hernâni
Cabral, Fernando Alexandre, Luís e Cabolas, Vítor (hotel) e Vítor (algarvio),
Canais, Armando Ferreira, Necas e Carlos Abreu, e… outros mais que não recordo
de momento.
A sala era composta
por cadeiras de madeira todas ligadas umas as outras e a frente duas idas de
bancos corridos de cada lado da coxia. O lado direito era destinado aos rapazes
e o esquerdo as raparigas - não haviam misturas, homens eram homens e mulheres
eram mulheres- cada um no seu canto...
Naquele tempo, as
habituais tinham o seu lugar marcado e se a sala ficava superlotada, os não
habituais
Sentavam-se no chão,
onde por sinal dormiam grandes sonecas por não estarem habituados aquela
rotina.
A sessão abria com
"bonecos animados", O Sr. Pitosga, Tom e Jerry, Bugs Bunny, para
nossa tristeza eram apenas 5 ou 10 minutos. Seguidamente vinha um documentário,
umas vezes interessante, outros aborrecidos, para nas crianças, claro!
Completo delírio
eram os três estarolas. Ai sim! Toda a sala vibrava com gargalhadas
hilariantes.
Para nos, filmes
bons, eram aqueles em que o "artista" matava todos e nunca morria,
tais como: Índios e cow boys-Randolph Scott, John Wayne, Gary Cooper.Espadachins-
Zorro, Errol Flyn, Tyrone Power.Tarzan, Cantinflas, Fernandel, Sissi e posteriormente
filmes bíblicos, tais com Os 10 Mandamentos, Ben Hur,etc.. Quando o filme não
nos interessava, tínhamos duas alternativas, ou dormíamos nos bancos ou íamos lá
para fora brincar.
3ª Parte
O BALOIÇO
O Zé Lemos teve a
ideia de fazer um baloiço numa acácia que havia em frente ao clube velho.
Só que não era um baloiço
convencional, eu explico:
-Ele, Zé Lemos,
arranjou duas cordas de sisal das mais grossas e amarrou-as a uma pernada da acácia
a distância de 1,5/2 metros uma da outra. A fazer de assento, pôs um pau de
bambu dos mais grossos. Como sabem o bambu tem uma superfície demasiado lisa,
para além de ser cilíndrico.
Como já frisei
anteriormente, nos intervalos dos filmes ou quando achávamos que o mesmo era um
"barrete" íamos lá para fora brincar.
Naquele tempo a
primazia era ainda das meninas e, como tal, nos éramos as primeiras a saltar
para o baloiço e eles tratavam de nos empurrar. Até ai, tudo bem!
Conseguíamo-nos
sentar cinco ou seis, tal era o comprimento do mesmo. As que ficavam nos
extremos, agarravam-se as cordas, as outras agarravam-se umas as outras.
Quando nos começavam
a empurrar e o balanço já era grande, ai começava o festival do desequilíbrio...as
do meio escorregavam, agarravam-se as companheiras do lado que por sua vez também
se desequilibravam e acabávamos por ficar penduradas pelas articulações das
pernas, tipo trapezista, e com as mãos a segurar o pau de bambu, já que os
nossos apoios dos lados não nos serviam de nada. Ficávamos com o rabo todo para
baixo e os rapazes continuavam sempre a dar cada vez mais balanço e o resultado
eram tombos valentes com algumas esfoladelas mas, nem isso nos fazia desistir,
o que queríamos era andar.
Um certo dia, para
grande tristeza de todos, o baloiço já lá não estava, foi retirado.
Pelo que vim a
saber depois, começaram a surgir vozes de protesto de alguns pais, cujos filhos
apareciam com arranhões e esfoladelas, portanto, era uma diversão perigosa.
Tiraram-nos uma das
melhores diversões, hoje reconheço que com toda a razão, mas quando me recordo
ainda sinto vontade de rir pelas situações cómicas que o dito baloiço nos
proporcionava.
4ª Parte
O DESAPARECIMENTO MISTERIOSO
Certo dia, o filme
que projectavam era demasiado monótono, sem acção, compondo-se apenas de diálogos,
e já se sabe, para crianças isso não dá!
Eu, a minha irmã
Anita, a Anabela Simões, a Graça Gouveia e a Maria Sampaio, nesse dia, éramos
as únicas meninas espectadoras, a sala estava vazia.
Após o 2 intervalo,
e como o filme estava a ser um grande "barrete" para nos, uma a uma
fomo-nos deitando nas fiadas das cadeiras e adormecemos profundamente.
O filme terminou e
todo mundo saiu, incluindo os nossos pais pois não nos vendo nos bancos
pensaram que estávamos lá fora a brincar como tantas vezes acontecia.
Ao chegarem lá
fora, as meninas não estavam lá e então começaram a perguntar as pessoas que
ali estavam, só que a resposta era negativa. Pergunta aqui, pergunta ali, começou-se
a gerar pânico e como e natural, todo o mundo começou a procurar-nos a volta do
clube. Chamavam por nós mas...qual quê? Lá dentro não se ouvia e nos estávamos
na 3a dimensão do sono.
A certa altura a
Maria Sampaio acordou e ficou espantada por sermos as únicas pessoas dentro do salão
e estando o mesmo a media luz. Acordou-nos a todas e o nosso espanto também era grande. Não compreendíamos
nada do que se estava a passar!
As páginas tantas,
surge a mãe da Graça Gouveia, lá em cima no palco, onde ficava a máquina de
projectar e, mal nos viu, sem que nada nos dissesse, saiu a correr lá para
fora. Ai, ainda ficamos mais confusas, mal sabendo nos que a senhora foi a
correr avisar os outros do nosso aparecimento.
Tudo isto durou
cerca de 30/40 minutos após o término do filme. Calculem a preocupação dos
nossos pais.
Apesar de não
termos cometido nenhuma falta, não nos foram poupados alguns ralhetes com a ameaça
de que nunca mais nos levariam ao cinema.
Na próxima sessão lá
estávamos de novo, pois tudo tinha sido esquecido
5ª e última Parte
UM SOM DESLOCADO
Grande concentração
no filme. Sala cheia. Silencio absoluto.
Alguém, confiado no
controlo dos seus gases intestinais, achou que podia dominar "aquele"
que a viva força queria vir para a rua. Entreabriu-lhe a porta para que "ele"
saísse silencioso. Mas...qual quê?
O dito cujo tinha
estado tão oprimido, que, quando viu a porta da liberdade ali mesmo em frente,
abriu as goelas e deu um berro tão alto que ecoou por toda a sala.
Gargalhada geral,
risos convulsivos.
Houve-se uma voz:
-Oh Valadas, o que
foi isso?!!!!
-Valadas:
-Oh Valentim, não
tentes disfarçar!
Gargalhadas redobradas.
De repente, ouve-se
lá atrás uma voz:
-Esse não pagou
renda. Foi despejado!...
As gargalhadas
subiram de tom. Já ninguém dava atenção ao filme.
Do lado de fora
quase se jurava que se estava a assistir a uma comédia hilariante.
Ficou-se na dúvida.
Quem foi o autor? Valadas ou Valentim?
Lá no assento eterno
onde te encontras, perdoa-me meu pai, mas fiquei sempre com a desconfiança de
que foste tu.
Termina aqui o
ciclo do cinema e seus envolvimentos.