O ALVES
Era de Benguela mas visitava frequentemente o Cubal.
Pai do nosso grande amigo Victor Alves de que todos se devem recordar não só por ter sido bancário no Cubal como também pela grande atividade desportiva e colaboração que prestou ao nosso Recreativo que graças ao dinamismo do Victor viu a sua equipe de futebol disputando o campeonato angolano.
Porém, era o Victor ainda criança quando certa noite a população do Cubal viu a sua rotina quebrada pelo barulho de um avião sobrevoando a povoação, melhor, uma avionete como se chamavam os pequenos monomotores de dois lugares.
Toda a gente saiu de casa, às pressas, para apreciar o inédito espetáculo.
O avião deu uma volta larga e retornou. Desta vez, ao passar sobre a povoação, cortou o motor e de lá de cima se ouviu uma voz que gritava:
- Mandem carros para o campo! Mandem carros para o campo!
O povo não acreditava no que ouvia tal era o espanto e, de novo, calando o motor à passagem, o mesmo apelo:
- Mandem carros para o campo!
Saindo do estupor inicial causado pela surpresa, todos começaram a movimentar-se, gritando sugestões, tentando, enfim, colaborar na tentativa unânime de salvar o aflito piloto.
- Lanternas! Vamos levar lanternas! Quem tem lanterna? – indagava um.
- Qualquer coisa que dê luz. Archotes. Vamos fazer archotes. – aventava outro.
- Vamos depressa. O homem está em dificuldade. – incentivava um terceiro.
- Eu levo uma vela... -
- Toquem o sino da Igreja...
A esta altura, a pequena povoação habitualmente pacata, era sacudida por um movimento frenético. Carros, (que não seriam mais de cinco naquela época); vultos munidos de lanternas de mão; outros, portando potentes farolins de caça; ainda outros, pelos lados do bairro dos ferroviários, com lanternas de cabeça, acessório obrigatório do equipamento profissional dos maquinistas; todos surgindo dos mais diversos pontos e movimentando-se rapidamente com o mesmo objectivo.
Ninguém se preocupou em tocar o sino da Igreja como foi sugerido nem foi necessário porque os ferroviários em serviço no depósito de máquinas, impedidos de colaborar, abriram as goelas das locomotivas ali estacionadas soltando seus estridentes apitos. Estranhas e imprevisíveis as rações humanas.
O inusitado movimento, a gritaria, os apitos, provocaram não só desmaios entre senhoras como também um violento ataque de riso a outra cujo nome não me ocorre, mas com a curiosa alcunha de “Pior”.
Finalmente, com o campo referenciado, o pequeno avião aterrissou por sobre alto capim e “bissapas” já que, por falta de demanda, não era capinado havia longos meses.
Todos acorreram curiosos para ver quem ajudaram a salvar e os gritos de alegria foram ainda maiores quando o piloto assomou e reconheceram nele o velho amigo Alves.
- Estava quase sem gasolina. Se vocês atrasassem, eu teria aterrado mesmo na rua - foi gritando, enquanto desembarcava, referindo-se com certeza à rua principal que era a única iluminada.
Foi um bom motivo para dali irem para o Hotel Central, único ponto social naquele tempo e ali vararem a noite bebendo e ouvindo o Alves contar a história pormenorizadamente e peripécias outras que passara pelos vastos céus da nossa Angola.
Afinal, havia que aproveitar pois ninguém sabia quando é que o Cubal teria outro caso que o tirasse da pacata rotina de pequena povoação.