14 julho 2025

Um batizado no Cubal: Memórias, fé e a marca do tempo nas nossas tradições - 15-01-1966



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Duas fotografias preciosas, partilhadas pela nossa  Nanda Valadas, que nos transportam para um dia de celebração e convívio no Cubal: um batizado, repleto daquela juventude que tanto animava a nossa vila.

Estas imagens não são apenas registos de um evento religioso; são retratos de pessoas, de laços e de uma cultura. A protagonista deste dia especial, a bebé Maria José, a Zezinha, que fará 60 anos em agosto próximo, tinha apenas quatro meses quando foi batizada. É fascinante ver como o tempo passa e estas fotos nos permitem regressar àquele momento de inocência e alegria.

Na primeira foto, a Nanda ajuda-nos a identificar um grupo de pessoas queridas. Vemos o Fernando Santana ( Santanita), e o António Maia. Ali está também o Fernando Van der Kellen (Cabolas), e claro, a própria Nanda Valadas com a sua afilhada bebé Maria José. Reconhecemos ainda a Locas Almeida e a saudosa Cidália, que infelizmente já nos deixou. O Padre Zé está presente a celebrar o sacramento, e podemos ver o pai da bebé, o Juca Branco, de costas, e também a irmã do Padre Zé, Mariazinha, ali mais atrás. É uma fotografia que irradia a atmosfera familiar e de comunidade.

Depois, na segunda foto, a Nanda continua a trazer-nos os nomes: o Vítor Rodrigues "Algarvio", novamente o Cabolas, a bebé e a Nanda Valadas, a Locas Almeida, a Anabela Faustino, o Padre Zé e o Juca Branco, o pai. Como sublinha a Nanda, "a foto não é somente  o batizado que interessa, mas também,   as pessoas que lá estão". E que pessoas! Um verdadeiro mosaico da nossa comunidade de então.

Há uma particularidade que a Nanda faz questão de realçar e que nos remete para as tradições daquele tempo: a forma como "nós, Mulheres, usávamos o véu, a mantilha". Ela explica que, apesar de o Papa Paulo VI ter abolido o uso do véu em 1965, foi difícil largar esse costume, tanto que a própria Nanda se recorda de usar o véu na Igreja ainda em 1968. Como ela refere, hoje em dia, as gerações mais novas "nem sabem o que isto é, porque é que usam o véu", mas para nós, era um sinal de respeito e fazia parte da nossa cultura. A mulher, ao entrar na igreja, tinha de usar a mantilha.

Todo este batizado se deu numa grande festa na casa do Juca Branco, onde "os jovens estavam lá todos". Dá para sentir a alegria e a energia que emanava daquele convívio.

Um agradecimento enorme à Nanda Valadas por partilhar estas preciosidades e por nos guiar através delas com as suas memórias tão detalhadas. São estas partilhas que nos permitem reviver e compreender melhor o Cubal de antigamente.

Ruca

13 julho 2025

Uma janela para o nosso passado: O Sisal do Cubal -Angola nos Anos 50

1950 - Fazenda Caviva ou Fazenda Elisa - confirmada que é Fazenda Elisa (vidé adenda infra)

Esta imagem que a Nanda Valadas tão generosamente nos oferece é mais do que uma simples fotografia; para mim, é um portal para a Angola dos anos 50, uma época de intensa atividade agrícola e tantas transformações sociais. Ela captura um momento crucial na plantação de sisal – a fase do corte das folhas –, e o mistério em torno da sua localização exata, seja a Fazenda Caviva ou a Fazenda Elisa, apenas acrescenta um charme instigante a esta peça histórica. Aquele(s) monte(s) ao fundo é um elemento identificador que certamente provocará a memória e o conhecimento de muitos de vocês, despertando um debate rico e participativo.

O sisal, introduzido em Angola no início do século XX, ganhou uma relevância económica enorme, especialmente a partir da década de 1940. A sua fibra, resistente e versátil, era amplamente utilizada na produção de cordas, sacos, tapetes e outros produtos essenciais para a indústria e o comércio mundial. Fazendas como a que vemos aqui eram, sem dúvida, verdadeiros pilares da economia colonial, empregando centenas, por vezes milhares, de trabalhadores e moldando paisagens e comunidades.

Consultando o estudo "A Agricultura Tradicional em Angola nos anos 60 do século XX" da Alexandra Guillemin de Matos e Silva Neves, que encontrei por pesquisa, compreende-se melhor  o contexto desta atividade. Embora o estudo se foque nos anos 60, ele oferece uma visão abrangente da estrutura e da importância da agricultura no período colonial, para além da agricultura tradicional. A monocultura do sisal, embora economicamente pujante, trouxe consigo desafios e complexidades sociais, económicas e ambientais, temas que merecem a nossa reflexão histórica.

Esta imagem, com os seus trabalhadores curvados sobre as plantas, o esforço visível e a paisagem ao fundo, convida-me a uma viagem no tempo. Desperta não só a curiosidade sobre a técnica de corte do sisal – um trabalho árduo e manual – mas também sobre as vidas daqueles que dedicavam os seus dias a esta laboriosa tarefa. Que histórias teriam aquelas pessoas? Que sonhos acalentavam?

Para muitos de nós, tenho a certeza, esta fotografia será um gatilho para a "saudade" – a palavra tão portuguesa que encapsula um misto de nostalgia, afeto e um certo anseio por um tempo que já não existe. Saudade das paisagens, dos cheiros, dos sons das fazendas, da convivência, e de um Cubal/Angola que, embora distante no tempo, permanece viva na nossa memória e nos nossos corações.

Por isso, convido todos vocês, meus amigos leitores cubalenses e não só, a partilhar as vossas memórias, conhecimentos e, quem sabe, a desvendar o mistério da localização desta fazenda. Que este debate enriqueça ainda mais a já tão valiosa missão do nosso blogue, de preservar e divulgar a rica história de Cubal e de Angola.

Muito obrigado, Nanda Valadas, por partilhares mais esta relíquia. E a todos vocês, por fazerem parte desta comunidade tão especial!

Saudações

Ruca

[INÍCIO DA ADENDA/NOTA]

Atualização e Confirmação de Localização: A Fazenda Elisa

É com grande satisfação que podemos agora confirmar e detalhar o local exato desta histórica fotografia! Graças à valiosa contribuição do João Abreu, um dos nossos atentos e conhecedores leitores , ficamos a saber que esta plantação de sisal é, de facto, na Fazenda Elisa.

Para quem conhece a zona, o João Abreu elucida que a fazenda se localiza "antes de chegar à sede quando se desce a reta que vem do Cubal e fica do lado direito." E o tal morro que procurávamos identificar, aquele elemento que pensámos que poderia ser uma boa pista, é precisamente o que "divide a fazenda do Sr. Matos (Membassoko ou Marco de Canaveses) e a Fazenda Elisa", onde o próprio João Abreu nasceu, e onde também viveram o Chico Valadas e muitas outras pessoas. Ficamos a saber que esta foto foi tirada precisamente na época do corte da folha, o que reforça o momento de trabalho intenso que já tínhamos destacado.

A estas palavras juntam-se as memórias do Armando Cardoso, que em 1966 trabalhou algum tempo na Fazenda do Sr. Matos, Membassoko, mostrando como estas terras estavam interligadas pelo labor do sisal.

E a São Prates reforça a dimensão da presença do sisal na região do Cubal, mencionando as fazendas Ramieira, Fazenda Elisa, Caviva e Malongo. As suas palavras ressoam com uma verdade inegável: "O Sisal, era dono e senhor dessas belas terras.... Eram extensões de plantações de Sisal que se perdiam de vista, e que davam emprego a centenas de trabalhadores. O Sisal, era uma das riquezas do País". A sua frase final, "E tudo o vento levou.....", traz um tom melancólico, mas profundamente real, sobre as mudanças que o tempo trouxe a estas paisagens e a esta atividade que foi tão vital.

Com estas achegas, a nossa imagem ganha ainda mais profundidade e contexto, permitindo-nos "visitar" este pedaço de Angola com um mapa mais completo nas mãos. A todos os que contribuíram, o meu mais sincero obrigado! A vossa participação é o que torna o nosso blogue um verdadeiro arquivo vivo de memórias.

[FIM DA ADENDA/NOTA]

Ruca