Quem era Joaquim Francisco Ferreira?
Joaquim Francisco Ferreira, minhoto por nascimento, era oficial da Marinha Mercante Portuguesa.Abandonou, em Luanda, o navio, a cuja tripulação pertencia, por inconformismo com decisões de que foi vítima e que considerou, profundamente, atentatórias da sua dignidade. Humanamente, revoltado, procurou longe dos homens que lhe feriram a alma, uma nova vida onde pudesse realizar-se, convivendo com a Natureza agreste, mas por vezes bem pródiga no seu reconhecimento àqueles que se lhe dedicam.Na sua imensa caminhada até Caconda, seus olhos e seu espírito ficaram presos à Hanha, quando por ali passou.A Hanha localizada no sopé de uma cordilheira, constitui uma planície que faz lembrar a lezíria ribatejana. A confluência dos Rios Coporolo e Lutira determina vasta extensão de terras irrigáveis e, como tal, férteis que permitiriam realizar alguns dos sonhos que transportava na sua bagagem mental.A Hanha persistia no seu pensamento. Assim a permanência em Caconda foi de curta duração, ainda que a zona fosse, ao tempo, um «empório comercial». Em breve decide regressar ao local que o encantara e, em 24 de Junho de 1878, ali volta para se radicar e instalar uma vasta plantação de cana sacarina e, a partir dela, uma destilaria que funcionou até 1912, data em que, por Decreto, emanado de Lisboa, foi encerrada.A Fazenda instalada por Joaquim Francisco Ferreira era constituída por um conjunto de oito glebas adquiridas a sete nativos “seculos” (Nativos velhos e respeitáveis) de seus nomes:Matende, Chinamba, Cassapa, (proprietário de duas glebas), Candel, Capingana, Gungue e Diomer.Os originais das escrituras notariais celebradas entre Joaquim Francisco Ferreira e estes nativos, estão na posse do autor. Em Angola, estas glebas foram registadas, na Conservatória de Benguela, sob a designação única de Várzea de São João da Lutira, no ano de 1898. Em Angola, em pleno Século XIX, os Portugueses já procediam assim.A breve trecho Joaquim Francisco Ferreira é alcunhado com a sugestiva designação de «Yola-Yola» que em língua nativa significa «o homem que está sempre a rir».O Ferreira além de ter criado os sectores agrícola e industrial, a que já nos referimos, alargou a sua actividade aos sectores comercial e pecuário.Construiu uma «frota» de carros «bóer» cada um puxado por 20 bois, devidamente, treinados.Para começar o Ferreira rompe a machado uma picada com cerca de 200 quilómetros, em direcção a Benguela. Mais tarde rasga nova picada, desta vez, até Caconda. Apenas, por curiosidade acho valer a pena referir que em 1930 esta ligação com Caconda era ainda utilizada.O tempo ia correndo. O Ferreira estabelecia um vai e vem constante com Benguela utilizando a sua «frota». Nessas deslocações transportava quer os produtos da sua própria produção quer aqueles que adquiria na região. Era, assim, o verdadeiro incentivador do comércio da vasta região que se estendia entre Benguela, Caconda e Huambo. Para além dos produtos próprios, comerciava em cera, mel, couros e gado, únicas produções a que os nativos, então, se dedicavam.Apesar da eficiência da frota, os transportes não eram, como se pode calcular, tarefa fácil. Os carros “bóer” não se podiam deslocar, permanentemente. As deslocações dependiam das condições climáticas. No período das grandes chuvas os rios não davam passagem e no período seco escasseava comida e água para os animais.Cada viagem durava cerca de duas semanas. O Domingo era dia de descanso. O percurso diário oscilava entre trinta a trinta e cinco quilómetros.De quando em vez surgia o inesperado: trovoadas violentíssimas acompanhadas por chuvas diluvianas obrigavam a suspender a viagem, às vezes, por duas ou três semanas.A região da Hanha progredia. Um segundo europeu, Carlos Rebelo de Matos, instala-se na margem esquerda do Rio Lutira, no prolongamento do Rio Coporolo. Entretanto, o comportamento do Matos desagrada às populações nativas. Em contrapartida o prestígio do Ferreira estava definitivamente firmado.Um dia, os povos da Hanha saturados com as sucessivas injustiças e diatribes praticadas pelo Matos, decidem eliminá-lo.Entretanto em função do respeito que votavam ao «Yola-Yola» quiseram, antes de actuar, ouvir a sua opinião.Alta madrugada, o soba Catoto chefiando as populações, armadas e sedentas de vigança, procuram o Ferreira dando-lhe conta dos seus intentos. Ainda que as relações entre os dois europeus não fossem famosas, talvez, até más, o Ferreira demonstrando o mais elevado tacto diplomático e alto senso humano consegue convencer o soba Catoto que seria apenas o Governador de Benguela quem poderia fazer justiça, em nome de El-Rei de Portugal.O Ferreira põe à disposição do soba e dos principais conselheiros, carros bóer para que, com a facilidade possível, atingissem Benguela e aí expusessem o problema.Corria o princípio do nosso século. O Catoto chega a Benguela e consegue demonstrar a quem de direito, o peso das suas razões. Como consequência, imediata, o Governador determina a saída do Matos da região da Hanha, local onde jamais poderia regressar.Para o cumprimento desta decisão é destacada uma força militar incumbida de trazer, para Benguela, o Matos morto ou vivo. O causador do problema não oferece qualquer resistência e a missão foi cumprida sem outras complicações. Uma vez mais, o senso de Joaquim Francisco Ferreira estava demonstrado.Um outro facto nos parece relevante para realçar a personalidade de Joaquim Francisco Ferreira, pois que para além de importante agricultor e de evoluído industrial, o «Yola-Yola» foi, fundamentalmente, o colonizador na boa e exacta acepção do termo. A forma especial como soube estabelecer e defender as relações pessoais com os povos da área, até então, extremamente, rebeldes, pode classificar-se de notável.O seu comportamento comercial e social conquista a amizade e, fundamentalmente, o respeito dos povos que o rodeavam.O exemplo que pretendemos referir é bem expressivo, da sua influência junto dos autóctones e, muito em especial, da forma como o Ferreira sentia de perto os problemas humanos. Reside no processo hábil e inteligente como conseguiu fazer abolir, na região da Hanha, a pena capital, então, ainda cruelmente imposta pelas autoridades tradicionais. Com o argumento de que a pena de trabalhos forçados perpétuos seria muito mais dura (pois era... eterna), o Ferreira consegue que os crimes sujeitos à pena capital, passem a ser punidos por tal processo.(…)Em consequência da intervenção militar na zona da Hanha, determinada pelos problemas criados pelo Carlos Rebelo de Matos, o Governo sente, pela primeira vez, a importância económico-social da região. Por isso instala, como elemento de soberania, perto da nascente do Rio Songue (junto ao riacho Ubir), um Posto Militar dependendo, em directo, da Capitania-Mor de Caconda. Este Posto é instalado sob a chefia de um sargento do Exército. Tempos depois a localização do Posto é transferida para o lugar do Lumba, no sopé da Montanha. Torna-se, então, Posto sob jurisdição civil e tem como primeiro Chefe, Teodoro José da Cruz, cidadão de origem brasileira e pai de uma figura quase lendária, de Benguela, o advogado Amílcar Barca da Cruz.Anos volvidos, o Posto da Hanha conhece nova localização, à beira da estrada Benguela-Caconda, no alto do Songue.A localização ideal do Posto ainda não tinha sido encontrada. E, assim, nova mudança; agora para o Caviva, no sopé da Serra Útuo-Muno (cabeça de homem), ainda, na berma da mesma estrada. Foi então, seu responsável, o Chefe Jácome de Aguiam.Vivia-se o primeiro ano do Século XX. No Cubal, na Ganda, em toda a Hanha, nada havia sido realizado, rumo ao desenvolvimento efectivo. A vida real da região era determinada, apenas, pela radicação dos nativos nas zonas marginais dos rios e, fundamentalmente, pelas actividades desenvolvidas pelo Yola-Yola.Nesta altura o Joaquim Francisco Ferreira tem conhecimento do ambicioso projecto da construção de um caminho-de-ferro, que iria ligar o litoral à África Central. O cepticismo do Ferreira era grande. Não olvidava o fracasso havido na ligação ferroviária Catumbela-Benguela.Entretanto, neste momento, mas sempre relacionado com o factor humano da fundação do Cubal, teremos que referir a criação do Caminho de Ferro. Em próximo capítulo abordaremos tal como já referimos, o tema Caminho de Ferro de Benguela.É entre 1903/1904 que os técnicos ingleses, incumbidos da construção da veia de aço que rasgaria as entranhas da enorme Angola, atingem o Cubal com o levantamento e picotagem da linha, visando o Rio Cubal acima da confluência dos dois rios do mesmo nome que o formam: Rios “Cubal da Ganda” e “Cubal da Hanha”.Nesta altura o Ferreira acha oportuno contactar, directamente, esses técnicos e consegue obter informações sobre o traçado da linha, e, até, da localização das próximas instalações que apoiariam o empreendimento.De posse das preciosíssimas informações e com a argúcia de sempre, aproveitou-as, da melhor forma, iniciando de imediato a construção de uma casa comercial, que localizou ao lado esquerdo daquela que em 1974, ainda existia e era conhecida por “Casa do Catoto” «Catoto» — Alcunha do filho mestiço do Ferreira, de seu nome Joaquim Francisco Ferreira Júnior.Assim, foi a casa do «Yola-Yola» a primeira casa do Cubal a que se seguiu a de Teodoro José da Cruz, que depois de reformado, se dedicou ao comércio. Esta casa situou-se, na margem esquerda do rio, abaixo da velha ponte de caminho de ferro, a cerca de 3000 metros do local previsto para as instalações do C. F. B. e da casa de Joaquim Francisco Ferreira. Achamos, deveras, curiosa a justificação de Teodoro José da Cruz acerca do local escolhido para a construção; — poderia chegar a casa sempre que quisesse, mesmo na altura pluvial alta quando o rio transbordasse as margens. Só com carros «bóer» se poderia, então, fazer a travessia e, mesmo assim, nem sempre. Ele, Teodoro, nem sequer possuía carro «bóer»...
A CHEGADA DO «MONSTRO DE FERRO»
Em 2 de Maio de 1908 o primeiro comboio atinge o Cubal. Durante vários anos foi o «2 de Maio» o Dia do Cubal, como homenagem à Companhia do Caminho de Ferro de Benguela, não esquecendo que o desenvolvimento da região se processou a partir da passagem desse “monstro de ferro”. Nesta altura as únicas edificações existentes, no Cubal, eram, além das duas casas já referidas, o apeadeiro do C. F. B. e o barracão que lhe servia de oficina de apoio-Entre 1912 e 1914 é criado o Concelho da Ganda que integra o Posto da Hanha. Para que o Administrador do novo Concelho pudesse visitar este Posto, tinha que deslocar-se de comboio até ao Cubal e depois utilizar a picada aberta pelo Ferreira.Anos correram. Em 1925, o Ferreira adoeceu, gravemente, e caminhou rumo ao Cubal para apanhar um comboio que o levasse até Benguela em busca de melhoras. Quis o Destino que na ponte do Rio Cubal (da Ganda), às portas da povoação que fundara, ao edificar a primeira casa, que a Vida se lhe extinguisse dentro do carro onde era transportado. Se o Ferreira se apercebeu da morte, talvez sentisse alguma compensação, pois morrer junto de algo que se criou e amou é, quanto a nós, uma espécie de privilégio. O «Yola-Yola» teve, assim, a felicidade maior, de cerrar para sempre seus olhos diante da realidade que ele próprio criara: o CUBAL. Em 1928, com o desenvolvimento da povoação, o Posto Administrativo, instalado no Caviva, passa enfim para o Cubal, ainda que mantendo a designação de Posto da Hanha. Foi seu primeiro Chefe, Cristóvão de Lima. Só em 1961, em 14 de Junho, é fundado o Concelho do Cubal, tendo como primeiro Administrador, Horácio Lusitano Nunes. Era ao tempo Governador do Distrito de Benguela, o Inspector Administrativo Hortênsio de Sousa.O novo Concelho passou a integrar o antigo Posto da Hanha, que pertencia ao Concelho da Ganda, agora designado de Posto Sede e, ainda, o Posto de Caimbambo, pertencente ao Concelho de Benguela.Mais tarde foram criados dois novos Postos: Quendo e Hanha, que com o Posto Sede e o de Caimbambo formaram Concelho, pelo menos, até Novembro de 1974.Funcionava como órgão municipal a Junta Local que, por decisão superior prosseguiu a sua acção, ainda que por curto espaço de tempo, pois em 6 de Dezembro de 1961 foi transformada na primeira Câmara Municipal.Em 23 de Janeiro de 1968 o Cubal atinge como que a sua emancipação sendo elevado à dignidade de Cidade, verdadeira coroa de glória para os seus obreiros.
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in Sebastião das Neves -"TRÊS CONTINENTES UMA VIDA"