‘’É possível viver uma terra preservada do espaço e do tempo “
Caros Muanhas
Antes de mais gostava de vos agradecer o facto de me permitirem estar convosco e poder partilhar os meus pensamentos, assim como agradecer a todos os que idealizaram, organizaram e participaram este evento, tornado-o num momento para todos inquestionável e catalisador das nossas memórias passadas e das nossas amizades. Muitos já não estão entre nós, de qualquer modo manteremos para sempre o seu espaço e memória. Jamais esqueceremos os nossos “Seculos”, capazes de nos passarem os valores que nos permitem manter esta forma simples e feliz de olhar para a vida. Gostava ainda de agradecer à Anabela, São e Isabel, o facto de nos terem dado esta honra, pois de facto é com enorme prazer que assumimos esta responsabilidade, com um grande sentimento de missão a cumprir pois acreditamos que jamais temos o direito de nos privarmos destes momentos. Se me permitem confesso-vos que me sinto um privilegiado pelo facto de poder contar com um enorme número de amigos do coração. Novos, antigos e até de menino..... de facto muitos amigos. Por eles sou muitas vezes confrontado com uma questão muito simples mas algo complexa de responder: “O que tem África? O que tem essa terra pequena de que tanto falas.... que faz com que a paixão e saudade perdure para sempre? Essa terra pequena que como alguém disse :
“Era uma vez uma cidadezinha embrulhada no cacimbo, no perfume inconfundível do sisal e nos panos e missangas das “Muanhas”” (Anabela Borges).
Na verdade também eu, coração africano, muitas vezes me pergunto que será que provoca toda esta mistura de sentimentos? Francamente as conclusões têm sido as mais diversas, algumas com racionalidade: juventude uma enorme disponibilidade para apreender, outras pelo mero recurso à intuição ou talvez inteligência emocional: paixão, meninice, irresponsabilidade, prazer pela atitude etc. Alguém escreveu tão simplesmente “ É possível amar uma terra fisicamente”! É assim que sinto o nosso CUBAL, que com os seus “cazumbis” me enfeitiçaram para sempre… Deixem-me acrescentar algo mais aquela frase que bem podia ser o titulo para um belo “poema” “É possível viver uma terra preservada do espaço e do tempo “ Uma vida sem condição em que o sonho se confunde na natureza sem fim. É isto mesmo. Tem de ser esta a resposta. Penso tantas vezes, é quase como se transportasse fisicamente num pedaço de papel, um poema sobre ela onde a vida corre aparte do tempo e do espaço, e a natureza é o único limite para o nosso pensamento. Sim, só assim foi possível criar sem limite um tão grande conjunto de memórias em tão curto espaço de tempo... que de tal riqueza nos provoca a permanente nostalgia e sentimento de ausência. Queremos sempre voltar... e acreditem ou não, voltamos todos os dias em todos os momentos a cada gesto, pensamento ou atitude. Somos Cubalenses. De facto e permitam-me uma vez mais citar alguém, e seguramente repetir aquilo que muitas vezes já leram, mas desculpem-me estou apaixonado por tudo aquilo em que consigo ver a minha terra. Ser-se Cubalense, por nascimento ou por adopção, é um privilégio que só a alguns, os chamados eleitos, é concedido. Para tal é necessário: que tenha bebido água do rio Cubal; que tenha inalado o cheiro daquela terra poeirenta impregnada do perfume inconfundível do sisal; que tenha apanhado no corpo as chuvadas refrescantes e consoladoras; que tenha sido picado por mosquitos ávidos de sangue; que tenha torrado a tez naquele sol abrasador e, por último, que tenha sentido na cabeça os efeitos de grandes cacimbadas. (Carlos Falcão)
Reconheçamos, o desafio de termos de ser felizes, de viver a vida mesmo tendo deixado para trás a árvore das memórias, cujos frutos alimentavam a nossa vida, os amigos, os familiares, o cheiro da terra, as lendas e cacimbadas !! Oí Africa, Oí Terra Minha.
Não existe mais
a casa onde nasci
nem meu Pai
nem a mulembeira
da primeira sombra.
Não existe o pátio
o forno a lenha
nem os vasos e a casota do leão.
Nada existe
nem sequer ruínas
entulho de adobes e telhas calcinadas.
Alguém varreu a fogo
a minha infância
e na fogueira arderam todos os ancestres.
(Costa Andrade)
Pois... mas os desafios enfrentam-se e caros Muanhas só nós podemos continuar a manter viva essa presença que nos alimentará mantendo-nos actuais no nosso passado, aliviando o peso a suportar por essa nostalgia que magoa intensamente e dói na alma. De facto somos só nós, e como tal gostaria de vos prestar a minha homenagem. A todos, os presentes os ausentes, a todos aqueles que amam e amaram verdadeiramente esta terra, pois são responsáveis por aquilo que somos, são um pedaço de nós e da nossa memória viva de uma infância feliz, num tempo longínquo mas que podemos continuar a viver no presente, como se a desventura não tivesse interrompido o nosso percurso, Estou certo que comungarão comigo esta felicidade, de me sentir.
Um Muanha de alma e coração que vive as suas origens, como uma lição de vida.
Obrigado
José Lobo Pires
19º Encontro dos Antigos Estudante do Cubal