20 dezembro 2025

Naquele tempo: As memórias de 1936 e o "milagre" da simplicidade no Cubal .Por Rodrigo (Bibito) Guerra

 


Naquele tempo: As memórias de 1936 e o "milagre" da simplicidade no Cubal

Por Rodrigo (Bibito) Guerra


Mais uma vez, o nosso querido Rodrigo "Bibito" Guerra abre o seu baú de memórias para nos presentear com um texto de uma riqueza incalculável. Desta vez, viajamos até 1936, ao ano do seu nascimento, para redescobrir um Cubal que poucos conheceram: um povoado de terra batida, iluminado a petróleo, onde a medicina era prática e a vizinhança era, verdadeiramente, uma família.

O Cubal era um pequeno povoado com ruas de terra batida, com poucos habitantes que conviviam como se de uma grande família se tratasse.

Em criança, jogávamos futebol na rua com toda a tranquilidade. Quando vinha um carro, buzinava e nós saíamos para lhe dar passagem. E não era difícil saber quem era, pois havia apenas três carros na povoação:

  • O do Luís da Silva (um Willys Overland do tempo dos dinossauros);
  • O do Zé Ilhéu (um belo Ford V8 modelo 1935);
  • E o do João de Oliveira (penso que um Nash).

Havia ainda um pequeno camião de carga de 5 toneladas, também do Zé Ilhéu, que viajava sempre com o seu cachorrão "Fiel" de pé no tejadilho — uma imagem que nunca esqueci.

As brincadeiras tinham os seus riscos, claro. Quando no calor do jogo chutávamos uma pedra em vez da bola e a unha do dedão se levantava a sangrar, a "farmácia" era imediata: colocávamos terra ou areia sobre o ferimento ou, método infalível da época, urinávamos sobre ele. Se o ferido não tivesse vontade de urinar, logo apareciam vários companheiros a oferecerem-se alegremente para o fazer! O curioso é que nunca houve casos de infeções graves com este "tratamento" de choque.

Foi neste cenário, no final do ano de 1936, em plena véspera de Natal, que eu nasci.

A minha parteira foi a Dona Maria Rodrigues, uma pessoa pouco letrada, que sabia assinar o seu nome e pouco mais, mas que possuía uma sabedoria imensa nas mãos. A sua ferramenta de trabalho? Uma tesoura, uma toalha, uma bacia destinada a água quente, um litro de álcool, algodão e gaze. Nada mais.

A povoação não tinha eletricidade nem água canalizada. A Dona Maria trabalhava à fraca luz de um candeeiro de petróleo — ainda nem tinham inventado o Petromax, que mais tarde daria uma luz parecida com a elétrica —, e utilizava água da cacimba (poço) que bebíamos sem medo.

Pois, nestas condições que hoje chamaríamos de "mais que precárias", ela conseguiu assistir todas as parturientes com sucesso, nas suas próprias casas. Eram todos partos naturais e todos resultavam em bebés saudáveis, como foi o caso da minha irmã (de quem a Dona Maria foi Madrinha), do meu irmão e o meu próprio.

Bem mais tarde, quando o Cubal já tinha evoluído e possuía duas Casas de Saúde com médicos e enfermeiros onde as parturientes eram atendidas, a Dona Maria costumava dizer, com a sua sabedoria antiga:

"Valha-me Deus, tanta complicação de coisa tão simples!"


Nota do Blogue/ Ruca: Esta história do Bibito deixa-nos a pensar na resistência e no desenrascanço daquelas gentes. Entre mezinhas de miúdos na rua e nascimentos à luz da candeia, o Cubal cresceu forte e saudável. Uma homenagem sentida à Dona Maria Rodrigues e a todas as parteiras que, com "quase nada", fizeram tanto pela vida na nossa terra.

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