Visitas na Nossa Terra: Do Cubal ao Coração de Lisboa (IV, V e VI)
Concluímos hoje a partilha das memórias de António Freitas de Oliveira. Um percurso que nos leva da tranquilidade das fazendas do Cubal ao céu de Angola, terminando numas férias inesquecíveis na metrópole. Se perdeu os capítulos anteriores, pode ler aqui a Parte I e as Partes II e III.
___________ Visitas na Nossa Terra - IV "Noites de luar e a lagoa: Silêncios da Fazenda"
No regresso Estela acompanhou-me ao Cubal para uma semana de ‘arranjos caseiros’ pequenas obras e arrumos da casa da fazenda. D. Margarida, senhora bailunda, governanta desde os tempos da mãe, é quem melhor domina a dialética caseira, sabe de cor os esconderijos de todas as formigas...com Estela são como peixe na água, relação familiar mesmo!
No silêncio da varanda com ‘polonaise’ a girar longe, deliciamo-nos com chá e biscoitos da tia da Estela trazidos de Nova-Lisboa...
- O ananás da Ganda está esplendido, prova Té...
- Não me apetece, vamos aproveitar este luar e dar uma volta até à lagoa
No Willys descapotável fazemos os dez quilómetros a passo, o capim dourado pelos faróis, a coruja Mariana a levantar da picada, lebres e coelhos em rápidos desafios ao jeep, um olhar esverdado, onça?... No silêncio africano contemplamos a lagoa espelhada pelo brilho lunar, nunses e gulungos sôfregos por água invadem o lado sul.
- Não sei se conseguiria viver noutro continente que não África, sobretudo nesta de lagoas brilhantes e estrelas grandes, onde os animais guardam em segredo os nossos beijos e afagos...
- Té, a nossa paixão por esta terra arde mais que as queimadas no cacimbo, crepita, não tem explicação...
- Concordo!... Estes pirilampos, o olhar doce das gazelas, os pingos gordos da chuva, o som que chega de longe, das aldeias, as gentes que nos saúdam seguindo com o olhar até desaparecermos na poeira...
- Ya Estela, as crianças de arco de barril, brinquedos de galhos decorados com lata...sempre com o alvo sorriso e brilho no olhar...
Restolho junto ao jeep, aponto a Winchester de quatro pilhas, visita já esperada do Picante, porco-espinho ‘voyeur’ que sempre nos saúda...
- Está a arrefecer, vamos Estela?
- O meu beijo de despedida?
@ntonioFreitasdeOliveira (texto/foto)
___________ Visitas na Nossa Terra - V "Entre o sisal e o céu: Voos de Cessna sobre o Cubal"
Vão chegando noticias que a luta nacionalista tem intensificado as investidas a norte de Luanda... gerando desconfiança nas fazendas e bairros periféricos. Com a coordenação do chefe de posto começam a ser formadas e preparadas melícias... a preocupação e angústia, sobretudo com as crianças, trazem as gentes em desassossego.
- Marcolino, tem havido alguma movimentação estranha no teu bairro? pessoal de fora?
- Por lá está muito calmo, só a doença do senhor Salupeto traz confusão... mais só onça me levou dois cabritos, isto é que me chateou mesmo!
Vou com a D.Estela passar uns dias na fazenda do nosso amigo Sr. Vicente... Chegados à Luena, fazenda rica em sisal e produtos hortícolas, somos recebidos na varanda com a mesa supinamente composta: sumo de laranja sem rival, pão quente da fornalha, geleia de morangos, camarões chegados de Benguela e umas Cucas perdidas de geladas.
Vicente cuidava com muito amor o Cessna, o hangar e a pista de terra batida que terminava no começo do mar verde de sisal.
- Meus queridos, tenho a avioneta preparada, à tarde vamos sobrevoar a região do Cubal...
Deixamos o Willys e partimos, Estela na parte de trás lindíssima no seu lenço de cabeça em tons de azul, envolvente nos Persol à Silvye Vartan. Paisagens deslumbrantes, filas de sisal alinhadas milimetricamente, crianças acenando à passagem...
- Té, aquele bando de carraceiras junto à asa direita, em baixo a nossa fazenda, a Margarida a estender a roupa.
Já em terra e com o sol a cair, assistimos na pista a uma espectacular dança de chinganges... muito bonitas as máscaras, os fatos, os pés bem batidos de levantar poeira...
- Té, vamos selar este dia com um abraço longo e aquele beijo só teu?
- Meu não, nosso!
@ntonioFreitasdeOliveira
________Visitas na Nossa Terra - VI "Lisboa em Agosto: saudades e sonhos de regresso"
Agosto de 1973, partimos de férias para a Metrópole. Chegados a Lisboa dirigimo-nos de táxi para o hotel do costume, Miraparque. Estela abre as janelas do quarto:
- Antes do banho quero repousar a vista nos tons do parque florido... adoro o verde frondoso, este Eduardo VII, pena serem tão curtas as férias.
- Estela, não achas que faz falta um Metro no Huambo? Ligar a baixa desde S. João à alta? Estações na Escola, Liceu, Aeroporto...
- Os teus intermináveis sonhos... como dizia o poeta, ‘o sonho comanda a vida’...
Entramos nos Porfírios, sacos repletos de novidades para a Té... Os dias voam, fomos cear ao Faia, ouvimos a Lucília do Carmo, o Alfredo Marceneiro, sentados, não muito longe, do Ary dos Santos... os encantos da noite Lisboeta.
Fomos à Feira Popular almoçar umas sardinhas pingadas de gordura de-broa-das...
- Faz-me impressão como consegues acompanhar sardinhas com Laranjina C...
- A mim faz-me impressão comeres as bifanas dos Restauradores acompanhadas a Pála-Pála...
Passeamos por Alfama, Mouraria, Castelo e Feira da Ladra, levamos o aroma a cera de madeira, o Tejo na viagem de comboio a Cascais, as queijadas em Sintra, os pastéis de Belém, o caldo verde do Galito. Deixamos Lisboa com muita vontade de mergulhar dos esporões no Lobito.
Em pleno voo:
- Férias maravilhosas, adorei, as melhores de todas, quando voltamos?
- Deixa-me pensar... Agosto de 75, que te parece?
- Parece-me bem, puxa a manta para cima para te dar aquele beijo, o nosso...
@ntonioFreitasdeOliveira (texto)
Nota do Blogue: Um agradecimento especial ao António por este testemunho tão vivo e emocionante. Ficam as memórias de um tempo e de uma terra que nunca esquecemos. Ruca