28 fevereiro 2011

Outras estórias cubalenses, Por Carlos Canais

Aos Cubalenses
O meu amigo Eduardo que me desculpe, mas desta vez não vou comentar a linda narrativa que acabou de oferecer à "terrível" professora Olga, mas tão só contar também a minha estória, que por ironia do destino também faz parte o mesmo actor o Sr, Fernando Carona.
Eram uma vez três heróis que numa longínqua noite do ano de 1970, resolveram fazer uma caçada nocturna. Acontecia que o mais velho necessitava de arranjar alimento para os seus cães que aquela data se encontravam em casa do Sr Mário Paulo, familiar do Sr.Celestino e Arlete Guerra que bem conhecem concerteza. Combinámos sair por volta das 22 horas e arrancámos em direcção ao morro do Tumba, localizado por detrás da Fazenda Elisa. Ao chegarmos perto do local, notámos que alguém andava tal como nós a passear na noite Africana. Bom, por este motivo parámos quando circulávamos próximo de uma Fazenda de Sisal. Eu tinha deixado a guerra cerca de seis meses antes e por este motivo senti-me na obrigação de proteger os meus colegas de aventura e disse simplesmente para nos abrigarmos dentro de uma tonga de sisal e esperar pelos próximos acontecimentos. Nós seguíamos a nossa viagem na carrinha do Cunha que ia a conduzir e atrás estavam os atiradores, dos quais o Sr.Fernando Carona fazia parte. Bom, esperámos assim cerca de 20 minutos e como o inimigo não aparecia, decidimos arrancar em direcção ao nosso objectivo. Entretanto fomos obrigados a passar pelo interior da Fazenda,cujo nome não me recordo, onde se encontravam alguns nativos à volta de uma fogueira. Perguntámos se por acaso tinham visto alguém que se deslocava para ali ou que por aí tivesse passado, mas a resposta foi negativa. Como experiente guerreiro nesse momento enganei-me porque acreditei no inimigo e esse nosso pequeno descuido quase nos foi fatal. Entretanto seguimos viagem já mais à vontade, porque o perigo já tinha ficado para trás, mas era pura ilusão...porque no nosso regresso, depois de matarmos só um coelho, demos de frente com os faróis de um carro que nos encandeou. O Cunha que ia a conduzir, fez de imediato uma retirada estratégica, engrenando uma marcha atrás, mas esqueceu-se que iam dois infelizes na parte traseira do carro...e então fomos ao chão e deixei de ver o Carona, que por ironia do destino tinha caído e batido com a cabeça no chão e desmaiou.Parece que o fiscal de caça e o ajudante agarraram de imediato nele que teve de confessar quem ia com ele. Mas de inicio negou saber quem seriam os amigos. Entretanto foi preso e foi com o fiscal para depois confessar que o outro que conduzia o carro era o Cunha. Mas o inimigo não nos abandonou, porque como eu entretanto estava escondido debaixo de uma velha folha de sisal que tinha mais de dois metros de altura. eles procuraram aterrorizar-me dizendo que me davam um tiro, o que aconteceu alguns minutos depois. Por minha sorte não fui atingido, mas a bala atingiu a folha que estava por cima de mim, mas assustei-me um pouco. Eu não podia imaginar que fora da guerra também estava na iminência de ser atingido...e só não aconteceu por milímetros. Entretanto agora a guerra era comigo, porque não estava identificado e "porque tinham de apanhar esse sacana que estava escondido". Ali permaneci debaixo da planta de sisal talvez trinta a quarenta minutos e estava a dois metros do inimigo...mas eles tinham um osso duro de roer, porque depois de quase levar um tiro estava disposto a contra atacar e esperei a qualquer momento o segundo que talvez me levasse desta para melhor...mas não aconteceu e talvez também para bem deles...porque eu estava com uma arma de bala e via perfeitamente o fiscal e o ajudante delineados pelo luar que pronunciava a silhueta dos dois, mas não tive coragem sequer de pensar o que poderia acontecer. Eu estava inerte e assim continuei, mas apesar de estarmos numa noite de Junho em que o frio era intenso, transpirava abundantemente. Acho que me distraí um pouco embrenhado nos meus pensamentos e até já tinha pensado como havia de vender o meu Datsun 1600 S, para pagar as custas do Tribunal...depois talvez tenha acordado e notei que estava só. Levantei-me muito rapidamente, corri por uma picada dentro do sisal e para meu espanto espatifei-me num enorme buraco, mas quis o destino que não me ferisse. Tive de recobrar as forças, verificar se estava maltratado e como notei que estava bem, saí de lá a correr, tal como tinha entrado. Estava desejoso de chegar a uma ponte que passava o rio para a outra margem, para me safar em direcção a qualquer destino, menos aquele...mas a ponte estava ocupada pelos fiscais, que sabiam perfeitamente que aquele era o único ponto de passagem. Pois, para contrariar o rio tinha galgado as margens cerca de 100 m para cada lado e eu naquele momento estava no meio do rio sem notar. Sim, eram duas horas da madrugada e havia um foco constante vindo da ponte que me tentava localizar. Pensei e voltei a pensar o que fazer à vida, mas lá encontrei um meio de passar a noite...em cima de uma mangueira. Subi não sei como, mas senti-me muito protegido naquele momento, porque ali ninguém me via, e acordei às seis da manhã. Desci da dita mas o fiscal ainda permanecia por ali, mas eu não sabia o resto da estória. Então resolvi passar o rio bem cheio através de uns caniços e paus e consegui colocar-me na outra margem. Eu levava calçado umas botas de borracha de cano alto bem cheias de água e assim corri entre vinte e trinta Km. até à Fazenda Elisa. Quem me salvou foi o Fernando Pessoa que me levou até a casa. Entretanto o Cunha foi acordado à noite pelo Carona na presença do Fiscal, para que me fossem procurar ao sitio onde desapareci, mas eles disseram sempre que não me conheciam...uns valentes, porque este pequeno pormenor foi a nossa sorte. Eles foram perdoados pelo fiscal porque ainda eram jovens, pois só a mim que era um malfeitor é que eles queriam levar a tribunal...
Um abraço do Canais

3 comentários:

Fernando Carona disse...

Olá amigo Canais:quanta saudade dos velhos tempos.Lembro-me perfeitamente deste episódio e subscrevo na íntegra tudo aquilo que escreves,sublinhando que delator nunca.Por favor trata-me apenas por Carona e deixa lá o senhor.Não te esqueças que tu eras para nós jovens, o nosso ídolo do futebol.Lembras-te da primeira vez que entramos no campeonato distrital de futebol e nas primeiras jornadas perdemos com todos os adversários?Só que o milagre aconteceu quando recebemos o Sporting de Benguela,que tinha sido campeão na época anterior e ganhamos por 7 a 1 com vários golos do grande Canais.Na época seguinte fomos campeões distritais.
Um abraço do amigo Fernando Carona

*Eduardo A. Flórido disse...

CANAIS:

com este grupo, CARONA E CUNHA, nada terias a temer, são da velha guarda, antes quebrar do que torcer...
Parabéns amigos, uma história que é optima de ser lida ao fim de tantos anos e foi commentada naquela altura, mas de nada concrecto se sabia, apenas o pacto de amizade que ainda une certos homens, que se prezam de o ser... nos momentos dificeis.
Uma lição de miúdos daquele tempo, dado aos homens de hoje, acima de tudo, num silêncio de ouro.

Um abraço aos três.
*Eduardo Flórido.

Anónimo disse...

Eduardo Flórido

Muito obrigado meu caro amigo, fica bem realmente o que dizes no teu comentário, porque a malta daquele tempo era diferente e eram outros tempos, onde a honradez e o segredo da palavra nunca se passavam. Vamos contando as nossas estórias para deleite daqueles que nos visitam. Um abraço do amigo Canais