07 fevereiro 2011

VIDA REAL Nº 1 - Por Eduardo A. Flórido

À minha querida e Santa Mãe…
Uma noite destas escutava, como o faço diariamente, o telejornal (20 horas) de uma qualquer Televisão, quando com honras de abertura, a jornalista emocionadíssima, abria o mesmo de uma forma sensacionalista e direi um tanto ou quanto oportunista, ao frisar que numa prova de cabal demonstração e de dignidade absoluta, uma professora, por sinal pertencente ao Governo, que nos rege (da qual me recuso dar o nome, pois jogamos em equipes e posições diferentes), depois de ter dado à luz, sete, sim digo bem, sete horas depois, saiu da maternidade onde se encontrava internada e pelo seu próprio pé, foi dar o resto das aulas programadas para esse dia… Segundo a mesma o dever estava acima de tudo, e havia necessidade de dar exemplos destes para ninguém se convencesse que não seria sem espírito de sacrifício, que este pedacinho à beira mar plantado, iria para a frente. Louvável, exemplarmente louvável… Direi mesmo, convenientemente louvável. Tão exemplificadamente louvável, que sem dar por isso, desenfreadamente atravesso a barreira do espaço e do tempo e num regresso sem programa dou comigo em 1953, no Cubal mais propriamente na Fazenda Elisa, Abril, noite de 16 para 17. Irene de seu nome (eu preparava-me para dar entrada na estratosfera terrestre), gritava de janela aberta, para uma vizinha de nome Maria para que esta lhe acudisse. No entanto devido ao avançado da hora a mesma Senhora infelizmente não a escutava pois a distância ainda era alguma. Júlia e Joaquim Manuel, entretanto acordados devido aos gritos da mamã Irene, encontravam-se assustados pois pela primeira vez assistiam àquela mulher de aço, quase a vergar-se pelo ímpeto da mãe natureza. Júlia, ainda uma menina, sem saber aquilo que se passava dirige-se à mãe e pergunta-lhe porque ela gritava tanto e o que a afligia. A mãe sorri-lhe e diz-lhe, vão-se deitar, e não se preocupem, estou a gritar para afugentar um lobo, que passou diversas vezes pela nossa janela. Mas a irrequietude traquina de Júlia, debaixo da capa que só as crianças conseguem ter, diz-lhe docemente: Mãe, se é um lobo porque não fechas a janela? Irene olha para ele e sorri, e diz-lhe então, rápido meus filhos, preparem-se que vamos a casa da Dª Maria. Cada vez mais, sem perceberem nada do que se estava a passar, Júlia e o irmão Joaquim Manuel, tentam acompanhar a mãe, em vão, já que esta numa impressionante corrida, chega a casa da vizinha e apressadamente acorda-a e pede-lhe ajuda, contando-lhe que eu inesperadamente já tinha começado a minha viagem de entrada neste mundo. Dª Maria de pronto prepara-se e diz-lhe que de imediato a seguirá. Como entretanto as dores, aumentam a impaciência de Irene aumente tb., grandemente e de imediato corre novamente para casa, acompanhada pelos dois filhos Júlia e Joaquim Manuel, que quase morrem de medo, devido à escuridão que se fazia sentir, pensando no lobo do qual mamã Irene tinha falado e com medo que o mesmo lhe pudesse aparecer. Entretanto aí chegados, não suportando mais, o esforço que houvera feito em corrida acelerada (cerca de 300metros, ida e volta), Irene sem aguentar por mais tempo, cai e eu à entrada do quarto, dou comigo a berrar em cima de um tapete, porque não tinha tido a melhor aterragem no planeta Terra.
Uma estreia pouco auspiciosa.
00H 05M, marcava o controlador do tempo…
Dª. Maria entretanto chegada, vira-se para aquele que me acabara de dar à luz, e diz que não sabia nem o faria, cortar-me o cordão umbilical, pois também se tratava de uma grande responsabilidade, ao qual a minha mãe sorri, e pede-lhe para trazer o álcool, e uma tesoura, que ela mesmo faria isso. Dito e feito, esta mulher de armas, do qual me orgulho de ser filho, sem hesitações, corta-me o cordão umbilical, e deixa-me a navegar a partir daí entregue à sorte de ser mais um terrestre, componente do clã FLÓRIDO.
Quando o meu pai chega, ainda não tivera a oportunidade de o conhecer, fica embasbacado, porque era acompanhado pela Srª Dª Alda Pais, Enfermeira-Parteira, que em principio viria assistir à m/ Chegada. Mas apenas vem confirmar, que a minha querida mãe, já me tinha dado banho, já tinha lavado a roupa que entretanto se sujara, continuando calmamente a trabalhar naquilo que havia necessidade de fazer. Eu começava ali, a minha ODISSEIA TERRESTRE, que já vai em 57 anos…
Regresso ao presente, fecho a televisão. Vou à janela e sinto que há uma estrela que brilha mais do que todas as outras, no firmamento. Sei que me vê, eu sei que ela está lá, e sei que está a sorrir pelo milagre que uma professora pertencente aos homens que nos governam foi noticia de abertura de um qualquer Telejornal, por ter ido dar aulas depois de sete horas de ter sido mãe e ser convenientemente amparada numa maternidade.
Senti que a minha saudosa mãe me piscou o olho, e entre dentes disse: OUTROS TEMPOS, OUTRAS MÃES E LOCUTORAS SENSACIONALISTAS…

P.S. – Um agradecimento especial à minha irmã Júlia (Mãe do Ruca) sem a qual esta 1ª VIDA REAL, seria impossível, por ela me ter dado as dicas de um Passado, perpetuado já nas memórias do VIVIDO.
OBRIGADO JÚLIA.
OBRIGADO MÃE.

*Eduardo A. Flórido.

13 comentários:

Unknown disse...

Que bonita historia, que bonita realidade na sua 1ª essencia... Abraço e felicidades para ti

Olivia Borges Abreu disse...

"Li... não sei como expressar o que sinto (mt emocionada). Conheci a corajosa Mãe, era mesmo assim... Parabéns pelo bela descrição de um momento real e único."
Olivia Borges Abreu

Eduardo A. Flórido disse...

Olivia,
A expressividade única de um homem, apenas se contempla, na aceitação, com que se faz presentear pelo agradecimento de alguém, que nos transmite, a sensação única de uma pequenez tremenda, perante a beleza impar da realidade, que as tuas palavras transmitiram e me fizeram sentir feliz pela mulher que foi minha mãe. Uma vénia especial para ti, pelo sentido único, no fortalecimento de ser filho, dessa inesquecivel mulher. Extremamente sensibilizado e agradecido, neste momento real e único.
De todo o coração, muitissimo grato.
*Eduardo A. Flórido
Edasilf@live.com.pt

Eduardo A. Flórido disse...

Luis,

Inteiramente agradecido, pelo teor com que me fizeste o favor de presentear.

Um abraço e felicidades...

*Eduardo A. Flórido
Edasilf@live.com.pt

Moura Alberto Gonçalves disse...

"Só de uma MULHER assim podia nascer um filho como tu. Um forte abraço dos sempre amigos, Maria José (Zé) e Alberto Moura"

EduardoA. Flórido disse...

Zé e Moura,
Gratificante a surpresa proporcionada. Dois queridos e grandes amigos, dos quais depois de tantos anos sem saber algo e por feliz coicidência, aqui nos encontramos, de um modo pouco usual, mas felizmente concretizavel. Realiza-se assim o sonho que os amigos independentemente de onde se encontrem, serão sempre a fonte da valorização pessoal como esta que voces fizeram o favor de me demonstrar, com um carinho inestimavel.
Inteiramente grato pela consideração retratada...
*Eduardo A. Flórido
Edasilf@live.com.pt

Anónimo disse...

Eduardo, Parabéns e obrigada por nos ter dado a conhecer mais uma heroina angolana, dessas que supostamente seriam anônimas, mas que o Amor de um filho a fez presente. Onde quer que ela esteja, com toda a certeza terá um brilho especial no olhar que lançará sobre você.
Adelaide Serôdio

Eduardo A. Flórido disse...

ADELAIDE SERÔDIO,

MINHA SENHORA, CURVO-ME NUM AGRADECIMENTO EXTRAORDINÁRIAMENTE PROFUNDO, PELA SUA DELICADEZA DE SENSIBILIDADE TÃO PROFUNDA, COMO ALIÀS , TEM SIDO TODOS OS COMENTÁRIOS AQUI POSTADOS. CALO-ME PROFUNDA E COMOVIDAMENTE, JÁ QUE EM PEQUENOS NADAS TODOS NÓS NOS REVELAMOS COMO SERES HUMANOS, EU COMOVIDAMENTE, APENAS LHE AGRADEÇO, SEM MAIS NADA DE QUE UM SIMPLES MAS MUITO PROFUNDO, BEM HAJA E QUE DEUS ESTEJA CONSIGO, COMO ALIÀS COMO TODOS AQUELES QUE ME TEM DADO FORÇA,NUMA DEMONSTRAÇÃO DE CARINHO ENORMÉRRIMA, AQUI BEM VISIVEL.
MUITISSIMO OBRIGADO.
*Eduardo A. Flórido
Edasilf@live.com.pt

Unknown disse...

Oi Flórido.. Jmais iria imaginar um POETA CUBALENSE e de expressão única... Parebéns à reverência que fazes há tua QUERIDA MÃE... Cá para nós é ELA que te ILUMINA.... Parabéns e um abraço Sofia Resende.

Eduardo A. Flórido disse...

Olá Sofia,
Pela alta da madrugada leio o que acabastes de escrever e sinto-me a flutuar na esfera do prazer, num sentimento único de amor inacabavel, de uma querida mãe que partiu, mas de modo único está e estará SEMPRE PRESENTE. Há certos Seres que apesar de partirem, mais cedo do que nós, estão e estarão sempre ao nosso lado, pelo todo de uma força especial e espiritual que nos acompanha em cada segundo, e pelos quais são envolvidos, transmitindo-nos essa aceitação numa racionalidade lógica.
A minha mãe jamais partiu, apenas se adiantou na viajem que um dia continuaremos a percorrer juntos.
COM CARINHO, REGISTO ESSE ÂNIMO DE FORÇA MORAL.
BEM HAJAS...
*Eduardo A. Flórido
Edasilf@live.com.pt

Anónimo disse...

Eduardo Flórido
Não deixei de ficar sensibilizado com esta" Mensão Honrosa" que dedicas à tua Santa Mãe, porque os filhos de hoje já evitam essas apreciações de modo avulso. Nós vivemos a nossa infância de modo diferente e sempre sujeitos à regularidade dos nossos actos enquanto flhos, se calhar até à eternidade. E quando dizes que ao olhares para o firmamento viste uma estrela mais forte a brilhar, era concerteza a tua Santa Mãe que de orgulhosa tremia e emanava mais luz na certeza que tinha deixado alguém na terra que a testemunhasse através dos tempos.
Um abraço para ti e para a nossa geração. Do amigo Canais

Anónimo disse...

Amigo Canais:

Começa por ser um lugar comum este agradecido reconhecimento e sinceramente de acordo contigo, mães como as da nossa geração ainda podem existir, mas sinceramente gostava de encontrar alguma...
Pelas tuas palavras de encorajamento, um reconhecido abraço.

Bem hajas,

O cacuenje (gostava, agora),

Eduardo A. Flórido
Edasilf@live.com.pt

Eduardo A. Flórido disse...

Canais...

P.S. - Mães como as nossas existirão certamente, mas não com a firmeza, daquelas excelentes mulheres, que forçosamente nos obrigaram a ver o mundo, tal como foi talhado na sua perfeita durabilidade e harmonia. Isso infinitamente será sempre um agradecimento mais do que profundo, a esse modo de ser que, como dizes e muito bem, nos acompanhará ao infinito da eternidadade... Valeu e valerá sempre a pena transformaram-nos muito mais, em homens.

Obrigado querido amigo,

*Eduardo A. Flórido
Edasilf@live.com.pt