26 fevereiro 2008

"Semanário Sul" 06 de Maio de 1972 - E a "bomba" estoirou no Cubal. (O nosso "apito dourado" ?)


1.
2.
3. Aspecto da manifestação junto à Sede do Recreativo do Cubal




Desporto, essa sã pa­lavra, foi atraiçoada pe­las altas esferas da pro­víncia. Atitude consciente? Impossível.
Decisão apoiada em falsos testemunhos, sem procurar provas com «sumo» e que ditaram uma infeliz determinação: Irradiação de dois futebolistas do Recreati­vo do Cubal.
A “bomba rebentou” no Cubal já há duas sema­nas. O nosso jornal não «alinhou» em sensacionalismos. Mas a verdade dos factos é tão pura, que entendemos ser nos­so dever entrar no assun­to, apesar de estar em causa uma pena máxima de irradiação para dois atletas que de corpo e alma se dedicam ao des­porto Rei. Está muito mais além o facto de ter sido tomada uma decisão por pessoas altamente responsáveis, sem provas básicas e reais que tal atitude justificasse. Se as penas tivessem justificação a bom grado a cidade aceitaria os castigos aplicados. Mas, NÃO! E é por este não, pela falta de verdade, de honestidade, de nobreza e pelo ex­cesso de orgulho pessoal de uma ou de outra pessoa que não teve cora­gem de desdizer algo, que sem pensar possa ter afirmado; e que assim induziu em erro os emi­nentes julgadores, que nós aqui estamos!
E note-se, só viemos depois de auscultar deze­nas de pessoas que assistiram no Campo Eng.° Raimundo Serrão ao en­contro de futebol entre o Recreativo do Cubal e Sporting de Benguela o que deu aso a tão tristes acontecimentos os futebolistas do Cubal estão dis­ciplinadamente revoltados. E estão revoltados só por­que os castigos aplicados aos jogadores Porto e Bibesinho, não foram justamente julgados. E perguntam: em que bases assentaram os mem­bros que fizeram, o jul­gamento para aplicar as penas de irradiação anunciadas? Num inquérito mal feito? Nas informa­ções de um árbitro que praticou erro sobre erro e que no final, completamente desorientado, preenche um boletim de jogo? Justiça, essa nobre palavra, não pode ser palavra vã!
A nossa reportagem, no Cubal, ouviu dezenas de adeptos do desporto.
A repulsa é enorme! Gravamos muitas deze­nas de metros de fita magnética. Ouvimos muitas e muitas pessoas. Umas mais exaltadas e mais facciosas. Outras mais calmas e conscien­tes. A nossa missão in­formativa teria que ser imparcial.
Um dos depoimentos, foi de António de Matos Carrasqueiro: A par da nossa ideia e do assunto que a ela presidiu, disse-nos:


4.O Ex-Presidente do Recreativo, Matos Carrasqueiro, depõe.



«Fui durante o ano fin­do Presidente da Direc­ção do Recreativo do Cubal. Ao ter tido conheci­mento dos castigos que foram aplicados aos jo­gadores Valdir, Telmo e Canais, fiquei deveras entristecido pois elees eram por si só uma in­justiça. São três homens absolutamente correctos e educados. Estou certo que qualquer árbitro ou elemento da nossa Asso­ciação pensa da mesma maneira. A suspensão dos jogadores Montez, Bibe e Porto causaram-me admiração, mas aguardei o desfecho. Veio o resultado. As ir­radiações de Porto e de Bibezinho são para mim uma completa e grande injustiça e uma enorme traição à moral desportiva. O senhor inquiridor escolheu a dedo as pessoas que quis ouvir para formar o inquérito. Acaso só ouviu directores de clubes neolisboetas sobre autênticas «barracadas» em que apitou o Senhor Duarte de Carvalho? Vi o jogo do Lobito. Se a alguém seria bem aplicada a irradia­ção, ela teria recaído sobre o árbitro do encontro. Ele, sim. Merecia a irradiação. Falta de conhecimentos t técnicos, falta de personalidade nos julgamentos patenteando um complexo nevrálgico e por fim, e ainda por cima dotado de uma falta de honestidade, flagrantíssima. Mas não fica por aqui! Num desafio em que a equipa do Cubal participou, esse senhor árbitro (perdão) esse ár­bitro, foi, não sei porquê, apupado por uma parte da assistência,tendo no final afirmado que o Cubal haveria de pagar. E a vingança surgiu, como se vê nesse jogo contra, o Sporting de Benguela. Os meus agradecimentos ao Quim Costa, ex-joga­dor treinador dos «leões» de Benguela pelo desassombro das declarações que prestou ao Rádio Clube de Benguela afir­mando total repulsa pela decisão final tomada. Mas este senhor, teste­munha ocular de tudo o que se passou no campo, não teve interesse em ser incluído no tal inquérito fantasma! E ao «Sul», os meus agradecimentos por me ter facultado es­tas declarações».
Depois, Rodrigo Guer­ra, Director do Emissor Regional do Cubal e nos­so camarada de Impren­sa foi também abordado.



5.Rodrigo Guerra opina.



Disse-nos: «Não assisti ao jogo pelo que não me posso pronunciar acerca do que se teria passado e ajuizar sobre a tão cri­ticada decisão da Asso­ciação Provincial no que se refere a penas aplica­das». Por se tratar de pessoa que está sempre em «campo», insistimos e então, o popular Bibito, abriu-se, dizendo:
«Ouvi comentários de pessoas que assistiram ao encontro e que, embora divergindo num ou noutro ponto, foram sempre concordes e acervos no tocante à actuação do árbitro da partida
apontando-o como prin­cipal responsável pela situação gerada. As de­clarações prestadas por Quim Costa, ex-treinador jogador do Sporting de Benguela, pessoa idónea e abalizada, em que afir­ma ter o jogador Porto colaborado com ele no sentido de acalmar os ânimos mais exaltados, vêm agora trazer-nos a certeza que efectivamente algo ficou por escla­recer. Por outro lado, declara o Senhor Tesourei­ro da AFB que foi infor­mado da falta de segu­rança do árbitro ao pronunciar os nomes dos jo­gadores ditos implicados que até, tendo já indica­do quatro nomes a um director do Recreativo, os substituiu por outros posteriormente. Tudo is­to me leva a crer, por­tanto, que muito falta esclarecer em abono da verdade.
«Aliás, Telmo, Canais e Valdir, jogadores mui­tíssimo correctos e pos­suidores de um grau de cultura de certo modo elevado, foram também injustamente punidos. Mas, estas irradiações são inadmissíveis. «Sobre o comportamento do árbitro Senhor Duarte Carvalho, nada posso afirmar, pois como já disse não assisti ao jogo. Mas, é facto que infelizmente em Angola não podemos contar com número suficiente de ár­bitros à altura pois é frequente verificarmos irregularidades de arbitragens que atribuiremos à incompetência, favoritismos, falta de perso­nalidade, etc. O que é facto é que o esforço de 22 homens não pode con­tinuar a ser jogado a bel prazer de árbitros e seus coadjutores, como uma bola de praia nas mãos de crianças! Esta é uma situação a que urge pôr cobro sem demora, sob pena de se ver destruída uma melhor hipótese de vida futura no nosso futebol. Há por exemplo um Luciano Calado e um Francisco Serra (sem desprestígio, para outros possíveis árbitros do nosso distrito de igual gaba­rito) que sabem conduzir uma partida com marca­da personalidade. Cabe às Associações, pensar desta maneira.
«Voltando ao assunto terminou por nos dizer: «Penso que o inquérito que ditou as penas de irradiações aos jogado­res Porto e Bibezinho, foi mal feito, por inten­ção. Esclarecendo outros pontos, a sentença teria sido bem diferente.

E a nossa reportagem prosseguiu.
Humberto Carvalho da Silveira, funcionário ca­marário e membro do Departamento de Fute­bol do Recreativo, foi por nós abordado variadas vezes tentando sempre esquivar-se. Depois de muito instado, declarou:
«Que mais poderei di­zer deste caso que tanta tinta já fez correr?
«Que o futebol em An­gola caminha para o des­calabro porque os seus responsáveis que eu con­sidero irresponsáveis — só querem «penacho»?
«Que protegem escan­dalosamente meia dúzia de Clubes das capitais?
«Que continuam a per­seguir os chamados «clubes do mato» com receio que surja um novo «Inde­pendente» que domine tudo e todos nos rectân­gulos de jogo?.
«Que o Recreativo do Cubal, este ilustre des­conhecido não pode pros­seguir na sua carreira triunfal pois é inadmissí­vel que com apenas três anos de actividade, tenha conquistado contra todos os vaticínios e desejos, o Campeonato Distrital?
«Que, não pode con­quistar, porque não lhe permitem esse direito, um lugar ao sol, que mancharia os pergami­nhos dos meninos boni­tos a quem tudo é permi­tido?
«Que, é pertinente perguntar porque não foram irradiados os jogadores que cometeram agressões em Nova Lisboa, nos Coqueiros e noutros campos da Província, só porque única e simples­mente estavam em causa as tradições dos intocá­veis ?
«Que, se deviam fazer exames psicotécnicos aos árbitros, quantas vezes quase analfabetos e que se interessam unicamen­te pela gratificação que recebem?
«Que, porque a Direc­ção do Clube e a própria população cubalense considera injusta ,triste e lamentável a situação cria­da, todos em uníssono irão até onde a Lei lhes permitir?
E muitos mais QUÊS, tinha Humberto Silveira para nos dizer, mas...
Com gravadores, flash e máquinas a nossa re­portagem continuou.

FALAM AS GRANDES VITIMAS, BIBESINHO E PORTO!
6.O jogador "Porto" mostrou-se surpreendido com a sua irradiação.


7.O guarda-redes Bibesinho, espera apenas que seja feita justiça.

O número um e o número onze de uma equipa de futebol. O guarda-re­des e o extremo esquerdo.
João Carlos Manuel (Bibesinho) começou por nos dizer que se iniciou nos juniores do Portugal. Em 1971, mudou de ares e veio para o Cubal, onde foi campeão distrital.
Perguntámos-lhe como estava a sua ficha na Associação. Respondeu--nos: «Completamente limpa, até este caso. Nunca fui castigado».
Sobre o jogo que deu origem aos castigos, dis­se-nos que no final dos noventa minutos regulamentares foi dos últimos jogadores a dirigir-se às cabines, por ser até o que estava mais distanciado, no seu posto, na baliza. Ao passar a vedação e ao dirigir-se para as cabines, viu público a discutir com o árbitro e talvez até a agredi-lo. Mas, cônscio das suas responsabilidades seguiu o seu caminho, ouvindo entretanto, o fiscal de linha chamar a atenção do árbitro indicando o número um (o número da sua camisola) como um possível agressor. Já nas cabines, e como teria de haver prolongamento, teve conhecimento pelo treinador do Recreativo que não podia continuar em campo, porque havia sido expulso. Admirado, acatou a decisão. Ficou admirado com a suspen­são, e agora, absoluta­mente incrédulo ao ter conhecimento da pena de irradiação que lhe foi aplicada.
Insistimos: Mas a que atribui o motivo porque o árbitro do encontro indicou no Boletim, cul­pabilidade sua?
Cabisbaixo, respondeu -nos: «Questão de azar! O senhor árbitro não pode reafirmar com verda­de qualquer falta da mi­nha parte. A sua cons­ciência não pode estar tranquila. Nada fiz para que me fosse aplicada tal pena ou qualquer outro castigo. Nunca lhe faltei ao respeito. É possível que tenha sido agredido por qualquer elemento da assistência, mas para isso lá estava a PSP pa­ra testemunhar, mas por mim ou por qualquer ou­tro colega, não foi concerteza. Para condenar é preciso provas. Pergunto só: se ninguém pode testemunhar qualquer ofensa verbal ou corporal é possível que pessoas responsáveis me tenham castigado? Com o devido respeito, por isso conti­nuo calmamente a con­fiar na consciência dos homens que nas altas es­feras dirigem o desporto.
Porto, estava com pressa. A hora do treino aproximava-se, e ele confiante, lá está sempre. Confirmou as palavras do seu colega e disse: «A minha irradiação, foi uma decisão totalmente absurda. Durante to­do o jogo acatei disciplinadamente todas as resoluções tomadas pelo Se­nhor árbitro. Até ajudei a que os meus colegas as acatassem também. Fiquei admiradíssimo quando soube que ia ser sujeito a um inquérito e mais ainda perplexo até, ao ter conhecimento da pena que me foi apli­cada. Estou convencido que o próprio senhor ár­bitro não soube bem o que escreveu. Havia mui­tos nervos, o público muito «quente» e o se­nhor árbitro estava desorientado. E eu fui a vítima». Lamentando-se, e a terminar disse-nos:
« Espero e confio na justiça dos Homens.
Depois já quase noite, no Estádio Municipal, ouvimos o velho Zé Ma­nel um nome que todo o Distrito de Benguela conhece e que actualmente é o responsável pelo team cubalense. A quei­ma roupa, perguntámos-lhe: Que pensa das penas de irradiação aplica­das aos jogadores Porto e Bibesinho?


8. Zé Manel, o treinador confia


Respondeu-nos:
«Vi o jogo e apesar de depois deste terminado ter conhecimento das declarações feitas pelo árbitro no boletim, nun­ca me passou pela cabeça que pessoas responsáveis pudessem ter a leviandade de aplicar a duas penas de irradiação que estão em causa aos jogadores Porto e Bibesinho (Car­los Manuel).
«O senhor árbitro Duarte de Carvalho pa­tenteou plenamente não possuir as mínimas con­dições para dirigir um encontro desportivo. Ele próprio levou os jogado­res de ambas equipas a cometerem actos de indisciplina, quer admi­tindo entradas às mar­gens das leis, quer em não acatar as suas deci­sões. Ele estragou o jogo e no final foi vítima do público exaltado. Os jo­gadores depois foram as vítimas. Estive sempre perto dos jogadores do Cubal, portanto também dos dois jogadores agora injustamente irradiados e posso afirmar que ne­nhum deles agrediu o ár­bitro. Considero este fac­to, as irradiações, PURA INJUSTIÇA.
Perguntámos depois: Que pensa das possibili­dades da equipa cubalen­se na presente época?
«Lutaremos pela con­quista de um lugar cimei­ro que nos faculta a en­trada na primeira divi­são.




8.O Presidente do Conselho Fiscal, Jorge Paulista, usando da palavra em resposta a centenas de cubalenses presentes na manifestação.


Mas na cidade cheira­va a esturro! Uma enor­me manifestação estava preparada. E efectiva­mente, no domingo pela manhã, muitas centenas de pessoas, muitas delas empunhando dísticos alusivos ao assunto tais co­mo
CUBAL CAMPEÃO DISTRITAL PEDE JUS­TIÇA — REPUDIAMOS A DECISÃO DA ASSOCIAÇÃO PROVINCIAL DE FUTEBOL — POR­TO E BIBESINHO VITI­MAS DE INJUSTIÇA etc., se agruparam em frente da varanda do Clube Beneficente e Re­creativo do Cubal, manifestando o seu desagrado pela injustiça feita aos dois atletas e pedindo à Direcção do Clube que não se conforme e que insista até onde for ne­cessário até que consiga que a decisão seja alte­rada e que justiça seja feita.
Nós vimos isto tudo! E sinceramente, racioci­nando que onde há culpa não há força, somos cultos a pensar que as cen­tenas de pessoas ali presentes das quais muitas dezenas assistiram ao jogo do Lobito, têm a razão por «seu lado. E esta gente, onde o suor e o sol queima as faces, não se conforma com injus­tiças.



Artigo extraído do "Semanário Sul" 06 de Maio de 1972 e escrito por Gil (JUGIBA)

Compilado por Ruca, para http://cubal-angola.blogspot.com/


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