27 dezembro 2025

Histórias da Família Cubalense - Por Fernando Marta Neves


Em 2008, o nosso conterrâneo Fernando Marta Neves brindou o CUBAL Angola Terra Amada com uma das mais saborosas e vivas crónicas que passaram pelo nosso Livro de Visitas. Entre memórias de escola, quedas de bicicleta, escapadinhas ao Colégio Eça para espreitar as miúdas à janela, cuidados do Sr. Tomé no Hospital do Cubal e o inesquecível temperamento do Dr. Largo, Fernando desenha-nos um retrato terno e divertido da juventude no Cubal.

Quinze anos depois, voltamos a partilhar este texto magnífico, agora acompanhado por uma imagem criada especialmente para a ocasião, para que a história não se perca e continue a viajar entre gerações.

A todos os cubalenses – de ontem, de hoje e do coração – deixamos o convite para revisitar estas memórias e também deixar as vossas.

📖 Livro de Visitas: Clique aqui para ler e deixar a sua memória


Do Dr. Largo, quem não se lembra? Foi meu professor de Física, Química e creio que também de Matemática. Era um crânio e um doce de pessoa. Foi pena sermos tão jovens e inconscientes e não aproveitarmos (falo por mim) todo manancial de informação e conhecimento que aquele homem, apesar da sua gaguez, nos transmitia, ultrapassando esta limitação escrevendo tudo o que dizia, no quadro, com uma incrível rapidez. Uma vez por outra quando a aula estava, o que era raro, mais monótona, pedíamos ao Dr. Largo, alegando uma hipotética indisposição, para sair. De imediato consentia dando-nos autorização para irmos ao hospital. Aproveitávamos então esse tempo, para em poucos minutos, nos deslocarmos de bicicleta, normalmente eu e o Campanhã, ao Colégio (Eça), a fim de vermos as “miúdas” que, naquele momento, à janela da sala de aulas, que algum tempo antes também tinha sido minha, desfrutavam do merecido intervalo, nem sempre coincidente com o da Escola, onde já havia um intervalo qualquer com cerca de 20 minutos, a permitir-nos mais uma passagem pelo colégio.

Nem sempre estas viagens corriam pelo melhor, houve uma vez, que ao dar a curva, ali no cruzamento da Singer, virando para o Tipóia, com as miúdas a assistir de camarote da tal janela, a velocidade era tal, que dei um malhanço, que me levou a ter mesmo que passar pelo hospital e, logicamente, de enfrentar o Sr. Tomé a quem dávamos, para justificar as quedas com a consequente ausência de pele em vária partes do corpo, a eterna desculpa do cão, “aquele malfadado cão que se atravessava sempre e na pior altura na nossa frente”, para suavizar a “coisa” com medo de levar algum tratamento de choque (uma generosa dose de tintura ou outra coisa qualquer que mais parecia o inferno em contacto com a pele ou com a parte donde esta se tinha ausentado), acrescido de um raspanete, que era o que mais se adivinhava naquele homem de aspecto “franzino, pequeno e delicado” e que afinal nos tratava como se fossemos seus filhos (só não nos dava, graças a Deus, uns merecidos cascudos).

Nas minha idas ao hospital que não foram muitas, mas não foram tão poucas assim, o senhor Tomé (que Deus tenha em descanso), nosso amigo, fazia questão de, e sempre que lhe era possível, ser ele a tratar-nos (o que na altura não representava lá um grande alívio…), demonstrando dessa forma, o carinho e a amizade que na verdade sentia por nós, e o seu inegável profissionalismo.

Lembrei-me agora daquela vez que fui com o Zé Silveira, ao hospital, para este arrancar um dente… Quem nos aparece para cumprir essa delicada operação? O senhor Tomé que amavelmente me permitiu a entrada para assistir à penosa intervenção, a pedido do Silveira, que me tinha mostrado, enquanto nos dirigíamos para o hospital o indesejado dente, abanando-o com a língua. O Silveira lá se sentou na cadeira de dentista existente no hospital, e mal o Sr. Tomé lhe diz para abrir a boca, ele abre-a realmente mas para começar a chorar e logo de seguida entre dentes, pois de imediato os cerrou.

Aí, eu como amigo do Silveira e custando-me tanto ver todo aquele sofrimento disse ao senhor Tomé que pacientemente aguardava o acesso ao condenado dente. - Ó senhor Tomé o dente já abana… e muito! Ai é! E agarrando com a mão esquerda a cabeça do pobre do Silveira que agora berrava que nem um condenado, possibilitando assim, com o alicate que segurava na direita, a extracção, num abrir e fechar de olhos, do motivo de tanta angústia. Creio que o Zé ficou um pouco zangado comigo, coisa que depressa passou, mal nos apanhámos fora do hospital e do alcance do senhor Tomé.

Mas, estava aqui eu a falar do Dr. Largo e desviei-me desse objectivo, falando de alguém que recordo, também e com muito carinho… o Sr. Tomé, enfermeiro do hospital do Cubal.

Voltando então ao Dr. Largo, que vi pela última vez pelo verão, em 76 ou 77 em Vila Real, perto da estação, imaginem, com uma melancia debaixo do braço… Chamei-o de longe, até para tirar dúvidas, pois já não o via há já alguns anos, ele olhou-me, aponta-me dedo e diz: - Do Luso ou do Cubal! E eu lá respondo: - Do Cubal Sr. Doutor, do Cubal! - Ah! O Cubal... gostei muito do Cubal… as feijoadas… o Hotel Rodrigues… O Abreu… Dava naquele ano aulas em Bragança, onde também gostava muito de estar.

O Dr. Largo além de um grande professor era, aparentemente, uma pessoa muito calma, mas quando lhe chegava a mostarda ao nariz… Lembram-se daquela aula em que sem motivo aparente desata aos murros à secretária e manda uma cadeira até ao fundo da sala, arremessada por cima das nossas cabeças? Foi o evacuar de uma sala, mais rápido que assisti até hoje, num abrir e fechar de olhos o Dr. Largo ficou só, mais a sua fúria...

Após aquela saída algo confusa, de imediato entrámos na sala e evitámos que o furioso Doutor mandasse mais cadeiras pelo ar. O senhor gritava qualquer coisa que de início não entendíamos. Após apurarmos o ouvido conseguimos entender:
“Eu quero ser Livre! O filho da ‘pi’ do Salazar, que vá p’rá ‘pi’ que o pariu! Quero é ser livre! E o ‘cabr..’ do Director, que é que ele quer? Que vá à M…! Vão todos à M…! Que é que eles querem? Eu quero é ser livre!”

Após uns intermináveis minutos, o homem lá acalmou e explicou-nos a razão: tinha sido convidado para leccionar numa Faculdade da Universidade de Luanda, o que o obrigaria a abdicar da liberdade de escolher, ano sim ano não, o destino da sua docência. Era pela Liberdade que ele bradava – alto e bom som – em Angola, nos anos 70. Um professor inesquecível.

Para terminar... Lembro aquela cena hilariante e constrangedora: indo do Liceu, à minha frente seguia a professora de música, quando o Dr. Largo, encostado a uma árvore, aliviava-se despreocupado. A senhora, atrapalhada, cumprimenta-o; ele vira-se, ainda a verter águas, e responde gago: “Mmm… muito bom dia, minha senhora!”. Seguiu depois a caminho da escola, feliz, pingas mal sacudidas e alma livre.

Para todos, um grande abraço.
Fernando Marta Neves


CUBAL Angola Terra Amada • https://cubal-angola.blogspot.com

Sofia e Adriano Gonçalves — Passagem de Ano no Cubal

Damos hoje mais um passo no resgate das nossas memórias de Réveillon no Cubal. Nesta fotografia gentilmente cedida pela Mariana Carracha Gonçalves, revivemos um daqueles momentos que o tempo não apaga: uma noite de passagem de ano no Clube Recreativo do Cubal, onde elegância, música e amizade caminhavam de mãos dadas. Na imagem, vemos os seus pais — Adriano e Sofia Gonçalves — num daqueles passos de dança que diziam mais do que palavras. O salão cheio, os pares alinhados, os laços pendurados na decoração, a postura firme e feliz de quem aproveitava cada minuto. Eram festas que reuniam famílias, que aproximavam vizinhos e que davam brilho ao virar de cada ano. Recordar é também agradecer. E neste agradecimento cabe toda uma geração que se vestia para celebrar, que entrava no novo ano com esperança no olhar e que deixou em nós memórias dignas de serem preservadas. Ao republicarmos esta fotografia, prestamos homenagem não só ao Adriano e à Sofia, mas a todos os que preencheram as noites de réveillon do nosso Cubal com música, convivência e afeto. Que estas lembranças nos acompanhem enquanto outro ano se prepara para nascer. 🥂✨ Cubal continua vivo enquanto nos lembrarmos — e partilharmos.
Ruca


Os pais de Mariana: Adriano e Sofia Gonçalves,
na passagem de ano no Clube Recreativo do Cubal

Cubalenses - Passagem de ano Ferrovia em 1969

 Passagem de Ano no Ferrovia, 1969 e outras memórias de António Pedro e Fernanda Guerra, por Selma Picado

Mais uma pérola que o tempo não apagou. Hoje regressamos ao Cubal de 1969, numa noite de Passagem de Ano no C. D. Ferrovia, onde a juventude se encontrava com brilho nos olhos e o futuro parecia caber inteiro num novo calendário que se abria.

Esta imagem, partilhada pela Selma Picado, mostra-nos três jovens alinhados e confiantes para a fotografia — António Augusto Pedro, Gil e Pessera — num daqueles registos simples, mas cheios de vida, que tantas vezes guardamos sem imaginar que, décadas mais tarde, seriam memória colectiva.

Havia elegância no vestir, camaradagem no abraço e aquela energia própria da idade em que o mundo ainda era vasto e possível. A música ecoava, os brindes cruzavam-se, e cada ano iniciado no Ferrovia trazia promessas de encontros, namoros, danças e histórias que muitos ainda recordam com um sorriso no canto da boca.

Republicar esta fotografia é celebrar a geração que cresceu entre bailes, amizade e esperança — e que hoje reencontra aqui, neste espaço, parte do que viveu intensamente.

Que 1969 nos inspire, uma vez mais, a brindar ao que fomos e ao que nunca deixaremos de ser. ✨🥂

1

Passagem de ano no Ferrovia -1969

António Augusto Pedro, Gil e Pessera.

2.
Cubal, 09 de Agosto de 1975
Casamento de Fernanda Guerra e António Pedro

3.
António Pedro
aos 17-18 anos de idade 4.
Fernanda Guerra
com 15 anos, no Ferrovia5.
Fernanda Guerra

Passagem de ano cubalense

À medida que outro ano se despede, o coração leva-nos de regresso às noites de gala que moldaram a nossa juventude no Cubal. Eram tempos de brilho simples, de música bem escolhida e de sonhos que cabiam num salão cheio de luz. Hoje, recuperamos mais um fragmento desse passado dourado — uma fotografia cedida com amizade e generosidade por Ivo Sérgio, companheiro de infância e memória viva da nossa terra.

O registo, feito durante uma Passagem de Ano no C. D. Ferrovia, mostra-nos uma mesa onde reinavam a boa disposição e o charme de uma época que soubemos viver com intensidade. Ali reconhecemos os pais do Ivo, Maria do Socorro e Augusto Pessoa, ladeados por Alexandre Fonseca (ao fundo) e pelo Enf.º Matos, num ambiente de festa e distinção que só o Ferrovia sabia oferecer.

Repare-se nos pormenores — a toalha de renda imaculada, as garrafas prontas para o brinde, o olhar confiante de quem recebe o futuro com serenidade. O Ferrovia era mais do que clube; era ponto de encontro, palco de amizades que atravessaram oceanos e décadas, e que continuam, como esta fotografia prova, a resistir ao tempo.

Republicar esta imagem não é apenas olhar para trás. É prestar homenagem a uma geração que edificou identidade, comunidade e afeto. Que este brinde captado no passado nos inspire a receber o novo ano com igual esperança, elegância e gratidão.

Um abraço fraterno para todos os que guardam o Cubal no coração. 🤍

Ruca


1.Alexandre Fonseca (ao fundo), Mª do Socorro, A. Pessoa e Enfº Matos no
C. D. Ferrovia – Passagem Ano

22 dezembro 2025

Memórias de um tempo partilhado ... no Cubal ou noutro qualquer lugar .

 

(Memórias de um tempo partilhado)

Para este Natal, já tenho a minha mensagem tradicional pronta para vocês. Mas, de repente, tropecei nesta fotografia.

Não sei se foi tirada no Cubal, mas sei que podia ter sido. Ela retrata perfeitamente um pedaço da nossa história e das nossas memórias. Ao olhá-la, sou invadido por uma nostalgia imensa da felicidade simples que tínhamos nas nossas brincadeiras, naquela multiculturalidade que, para nós crianças, era natural.

Sabemos hoje, com olhos de adulto, que nem tudo era perfeito naquele tempo. O mundo ainda não o é hoje e provavelmente nunca será. Mas esta imagem faz-me bem à alma e relembra-me que a alegria genuína existiu.

Deixo-vos este pequeno poema que a foto me inspirou:

Retrato sépia de um sol antigo,
Onde a cor da pele não era perigo.
Pés na terra, na poeira quente,
Um passado que hoje se faz presente.

Sabemos que o mundo não era perfeito,
Mas guardamos no peito, com jeito,
A memória daquela brincadeira
Que parecia, então, a vida inteira.

Neste Natal, que a imagem nos traga,
Uma luz de esperança que não se apaga.

Feliz Natal a todos os amigos do Cubal!

Ruca

20 dezembro 2025

Naquele tempo: As memórias de 1936 e o "milagre" da simplicidade no Cubal .Por Rodrigo (Bibito) Guerra

 


Naquele tempo: As memórias de 1936 e o "milagre" da simplicidade no Cubal

Por Rodrigo (Bibito) Guerra


Mais uma vez, o nosso querido Rodrigo "Bibito" Guerra abre o seu baú de memórias para nos presentear com um texto de uma riqueza incalculável. Desta vez, viajamos até 1936, ao ano do seu nascimento, para redescobrir um Cubal que poucos conheceram: um povoado de terra batida, iluminado a petróleo, onde a medicina era prática e a vizinhança era, verdadeiramente, uma família.

O Cubal era um pequeno povoado com ruas de terra batida, com poucos habitantes que conviviam como se de uma grande família se tratasse.

Em criança, jogávamos futebol na rua com toda a tranquilidade. Quando vinha um carro, buzinava e nós saíamos para lhe dar passagem. E não era difícil saber quem era, pois havia apenas três carros na povoação:

  • O do Luís da Silva (um Willys Overland do tempo dos dinossauros);
  • O do Zé Ilhéu (um belo Ford V8 modelo 1935);
  • E o do João de Oliveira (penso que um Nash).

Havia ainda um pequeno camião de carga de 5 toneladas, também do Zé Ilhéu, que viajava sempre com o seu cachorrão "Fiel" de pé no tejadilho — uma imagem que nunca esqueci.

As brincadeiras tinham os seus riscos, claro. Quando no calor do jogo chutávamos uma pedra em vez da bola e a unha do dedão se levantava a sangrar, a "farmácia" era imediata: colocávamos terra ou areia sobre o ferimento ou, método infalível da época, urinávamos sobre ele. Se o ferido não tivesse vontade de urinar, logo apareciam vários companheiros a oferecerem-se alegremente para o fazer! O curioso é que nunca houve casos de infeções graves com este "tratamento" de choque.

Foi neste cenário, no final do ano de 1936, em plena véspera de Natal, que eu nasci.

A minha parteira foi a Dona Maria Rodrigues, uma pessoa pouco letrada, que sabia assinar o seu nome e pouco mais, mas que possuía uma sabedoria imensa nas mãos. A sua ferramenta de trabalho? Uma tesoura, uma toalha, uma bacia destinada a água quente, um litro de álcool, algodão e gaze. Nada mais.

A povoação não tinha eletricidade nem água canalizada. A Dona Maria trabalhava à fraca luz de um candeeiro de petróleo — ainda nem tinham inventado o Petromax, que mais tarde daria uma luz parecida com a elétrica —, e utilizava água da cacimba (poço) que bebíamos sem medo.

Pois, nestas condições que hoje chamaríamos de "mais que precárias", ela conseguiu assistir todas as parturientes com sucesso, nas suas próprias casas. Eram todos partos naturais e todos resultavam em bebés saudáveis, como foi o caso da minha irmã (de quem a Dona Maria foi Madrinha), do meu irmão e o meu próprio.

Bem mais tarde, quando o Cubal já tinha evoluído e possuía duas Casas de Saúde com médicos e enfermeiros onde as parturientes eram atendidas, a Dona Maria costumava dizer, com a sua sabedoria antiga:

"Valha-me Deus, tanta complicação de coisa tão simples!"


Nota do Blogue/ Ruca: Esta história do Bibito deixa-nos a pensar na resistência e no desenrascanço daquelas gentes. Entre mezinhas de miúdos na rua e nascimentos à luz da candeia, o Cubal cresceu forte e saudável. Uma homenagem sentida à Dona Maria Rodrigues e a todas as parteiras que, com "quase nada", fizeram tanto pela vida na nossa terra.

19 dezembro 2025

A Memória como guardiã da nossa História: O Cubal vive em cada um de nós


A Memória como guardiã da nossa História: O Cubal vive em cada um de nós

Muitas vezes pensamos que a História é apenas aquilo que está escrito nos livros, datado em documentos oficiais ou guardado em arquivos poeirentos. Mas a verdade, meus caros amigos e conterrâneos, é muito mais viva e vibrante. A verdadeira história do nosso Cubal é feita de memória.

A nossa memória, a história do Cubal 

Como vimos recentemente através das partilhas e vivências de António Freitas de Oliveira, Bibito Guerra,  a memória individual é a centelha que ilumina o passado. As recordações dele não são apenas dele; são um pedaço do puzzle que compõe a nossa terra.

A memória preserva a história porque ela é o veículo das nossas emoções e experiências. Ela atua em quatro frentes essenciais que mantêm o Cubal vivo, independentemente da distância física que nos separe:

  • 1. A Memória Individual: Cada um de vós guarda um Cubal único. O cheiro da terra molhada, o som do comboio a chegar, aquela brincadeira específica no quintal de casa. Estas pequenas peças formam o grande mosaico da nossa história local.
  • 2. A Memória Coletiva: É aquilo que nos une como "Cubalenses". São os eventos que vivemos juntos, as festas, as dificuldades superadas e as alegrias partilhadas. Esta memória cria a nossa identidade comum.
  • 3. Os Tesouros Visuais: Aquelas fotografias a preto e branco ou sépia que possuem nas gavetas, os documentos antigos, os vídeos tremidos... tudo isso são janelas para o passado que precisamos de preservar para as gerações futuras.
  • 4. A Tradição Oral: As lendas, os "causos" e as histórias que os nossos avós contavam à varanda. A palavra dita tem uma força inigualável na preservação da cultura de um povo.

🌍 O Desafio à Comunidade Cubalense

O blogue CUBAL ANGOLA TERRA AMADA! é mais do que uma página na internet; é o nosso ponto de encontro digital. Por isso, lanço-vos um desafio carinhoso: não deixem as vossas memórias adormecidas.

Tal como,  recentemente,  o António Freitas de Oliveira, Bibito Guerra  entre tantos partilharam os seus testemunhos, convidamo-vos a fazer o mesmo. Têm uma foto antiga? Uma história sobre um professor, um comerciante, ou um vizinho que marcou a vossa infância? Uma lenda que ouviram contar?

Partilhem connosco!

Enviem os vossos testemunhos e fotografias para o e-mail:
cubal.ruca@gmail.com

Vamos transformar as vossas memórias individuais na nossa História Coletiva. Porque enquanto houver alguém para recordar, o Cubal jamais será esquecido.

As memórias de António Freitas de Oliveira: Visitas na Nossa Terra -partes II e III - (continua)

 

As Memórias de António Freitas de Oliveira: Partes II e III

Damos continuidade à belíssima partilha do nosso conterra António Freitas de Oliveira. Depois do impacto do primeiro texto (clicar aqui - parte 1) , mergulhamos agora numa viagem de comboio pelo CFB, entre o nevoeiro da madrugada e o calor dos reencontros em Nova Lisboa (Huambo).

___________ Visitas na Nossa Terra - II  "O som do vapor: viagens no Mala e aromas da Babaera" 

Desço as escadas do Mala na Babaera... Noite avançada, o sopro do vapor cortado pelo frio da madrugada abraça o meu corpo numa sensação única, mistura de sentimentos próprios de atravessar África...

A parca iluminação amarela, harmonia dos cânticos dos grilos e coaxar das rãs, o latido do rafeiro na estrada de terra batida, ali o neon da Fina esbatido pelo voo do salalé, longe o guarda-freios acompanhado a petromax...

Surges do alpendre de face escondia pelo desluar, sinto a fragância e logo o esboço do sorriso que antecede o infinito beijo da ausência...o teu coração batia forte no demorado abraço.

- Sempre linda Estela, conheço o teu rosto mesmo sem te olhar, único.
- Continuas o eterno charmoso, desafiante, subimos ou ficamos pela Babaera?
- Claro que subimos, Nova Lisboa aguarda-nos.

Em silêncio o lento partir, força extraordinária da negra máquina que ambos admirávamos... iniciava o ritmo compassado das travessas, som extraordinário igualável ao doce beijar das ondas no Compão.

De mãos dadas acompanhávamos o esvoaçar atordoado das fagulhas misturadas com as estrelas do planalto, também me focava nas fotografias da construção do C.F.B. que ornamentavam a confortável cabine de madeira lustrosa.

O som distante da campainha leva-nos ao wagon restaurante, o culminar da viagem que tantas vezes fazíamos assim em jeito de amadurecer o amor, de o tornar eterno. A papaia vermelha, o sumo das laranjas de Cambambe, ovos mexidos bem de galinha da aldeia, as compotas nos frascos ingleses tinham o sabor dos teus lábios, o pão quente seria da fornalha? E o café Estela? O cheiro do café?

- Este café acompanha-me sempre, esteja em Lisboa, Paris ou Berlim, não há sabor e odor igual no mundo.
- Estela, Caála, quase a chegar, vamos?



@ntonioFreitasdeOliveira

___________ Visitas na Nossa Terra - III "Vivências no planalto: entre o Ruacaná e a Kambu"

Sempre diferentes os dias passados no Ruacaná. Estela contempla da janela do quarto o amanhecer de vida no cuidado quarteirão da baixa, abertura das lojas, quitandeiras, chegada de militares de passagem para o Luso, a esplanada da Kambu nos primeiros cafés da manhã.

Antes de iniciarmos o dia, passo os olhos pelo Planalto entregue pelo paquete...
- Vamos?

No hall, o cumprimento de sempre ao amigo Brandão. Estela tinha hora marcado na cabeleireira, aproveito e vou ao Vaz alinhar o ‘corte francês’. Na esquina da Farmácia Colonial encontro o ‘velho’ amigo Figueiredo, ’Pinguinhas’, acabado de estacionar a sempre impecável Chevrolet, ali trocamos as ultimas das famílias - Então esse Cubal? Progredindo meu caro amigo... mais um aceno ao Marta da Cruz que nos mira do outro lado do passeio.

Nesta cidade tão especial, ganhamos muito do tempo perdido, há sempre minutos para a troca de um abraço com os amigos, dois dedos de conversa... como se tivéssemos nascido todos ali...

Antes de me encontrar com Estela passo pela Lello, para o gira-discos o ultimo LP do Fausto Papetti e outro dos Platters, para leitura levo o Papillon de Henry Charrière. Almoçamos na Kambu - Manel, para mim o incomparável ‘filet mignon’, peça por favor ao Sr. Mário a garrafa de vinho do jantar... no privado animadamente os amigos Kai, Almeida Campos e Pinto Leite.

- Estela, estes são os meus melhores momentos, as viagens contigo no mala, este respirar na cidade vida, os passeios nocturnos no silêncio da noite após o cinema... por falar em cinema já tenho bilhetes para o Ruacaná, o tão desejado filme, ‘Un homme et une femme’.
- É sobre nós? Ou inspiração futura de uma vida a dois?
- Como gosto desse teu olhar brilhante, o movimento dos lábios no quase sorriso... se estivéssemos sozinhos... 



(Continua brevemente)

@ntonioFreitasdeOliveira

18 dezembro 2025

PARA A HISTÓRIA DO CUBAL - O ARQUIVO HISTORIAL DA CIDADE (editado)

Mais uma acha para a fogueira.

O ARQUIVO HISTORIAL DA CIDADE



Todas as pátrias, todas as terras e todos os homens, têm a sua génese, na sobrevivência das comunidades em que se inserem e nos imperativos que determinam a identificação do Homem com a sua ecologia. Isto é, os homens nascidos junto ao mar sentem, naturalmente, quando afastados da vibração do movimento das ondas, nostalgia do ambiente que lhes foi negado e o saudosismo dos poentes que deram o colorido cristalino às suas vidas. Da mesma forma, os homens que nasceram no campo, quando separados da paisagem tranquila das serras e dos montes, do verde repousante dos campos e do marulhar das águas dos rios que deram melodia à sua juventude, vivem na alma a angústia do quadro saudosista, do vazio do lar que lhes serviu de berço e o perfume dos pinheiros que crepitam nas lareiras nas longas noites de frios invernos.
Paradoxalmente, na imprecisão de elementos históricos acessíveis, da génese cronológica desta cidade, como terra e como comunidade, temos de nos conformar, valendo-nos de elementos dispersos e perdidos na poeira dos tempos, porque nem sempre existem, com oportunidade, no tempo e no espaço, os historiadores que submersos no silêncio da investigação persistente, escrevam com precisão formativa e honesta, as epopeias humanas, para que se sublimem como exemplo para os tempos fora, as gestas corajosas dos gigantes do passado, cuja memória nos cumpre honrar.
Portanto, paradoxalmente, o Cubal nasceu do ancestral espírito de aventura dos portugueses e, curiosamente, na simbiose de um homem que deixou o mar para se embrenhar na quietude emocionante e misteriosa da selva virgem e do silêncio das savanas agrestes. Mas foi a experiência do mundo que conheceu, da evolução que cuidadosamente estudou, que o dinamizou e inspirou na tentação de ser o primeiro a fixar-se numa terra que mais tarde encontrou a sua razão de ser na agricultura do agave, planta exótica e vinda de longe, que constitui essência de vida e destino de uma cidade, que o é, das mais promissoras na geopolítica e na geoeconomia de Angola.
E é natural inferir-se que foi justamente o denodo do marinheiro na osmose da persistente coragem do homem do campo, onde quase todos temos a nossa origem, que o fez enfrentar corajosamente a agressividade do clima e a dureza da terra, para que anos volvidos na ampulheta do tempo, esta terra fosse o que hoje é, como valor económico, como conjunto social, como povo sempre insatisfeito no anseio de progresso da sua urbe, esta realidade portuguesa que o sabe ser, entre os que mais orgulhosamente sentem, como portugueses de Angola, espanto, surpresa e quase inverosímil presença do luso-tropicalismo, cujas raízes se alimentam da seiva do ecuménico humanismo que os portugueses sempre admiravelmente revelaram ao Mundo.
O Cubal, na versão memorizada daqueles cujas rugas profundas no rosto, fazem adivinhar as canículas vividas nos sucessivos anos de trabalho árduo ao sol dos trópicos, humedecendo a dura terra que desbravaram, com o suor gotejante das suas frontes generosas, salgando as gargantas com as lágrimas que sorviam no saudosismo dos seus lares distantes e mastigavam no delírio febril das doenças, privadas de tudo e no desconforto de um ambiente inóspito e primitivo que só o seu estoicismo conseguia vencer; desses homens, cujos cabelos brancos lembram os cacimbos passados e constituem marcos imperecíveis da gesta humana que aqui foi escrita no passado, do que deles ouvimos em serões confabulatórios, permitir reunir os elementos conotantes da origem do Cubal. Sim. Temos de perguntar: - Como teria nascido o Cubal?
O Cubal nasceu da aventura de um homem cuja coragem e dignidade foi estímulo para a inspiração de muitos outros e que, depois dele, se fixaram e transformaram a terra agreste que era, na urbe prometedora que hoje se ergue para orgulho de todos nós.
O Cubal, que hoje comemora a efeméride do sexto ano, como jovem e das mais aliciantes cidades de Angola , nasceu da presença de um homem chamado Joaquim Francisco Ferreira, o “Yola-Yola”, como lhe chamavam os nativos. Oficial da marinha mercante portuguesa, despediu-se em Luanda, do navio a que pertencia, pelo seu inconformismo em face de decisões que considerou injustas e de que foi vítima, que se opunham a éticas fundamentais e inalienáveis de uma vivência moldada nos princípios da sua honra e dignidade e o levaram a desvincular-se da vida a que se devotara, procurando, longe dos homens que lhe feriram a alma, uma nova vida, onde pudesse realizar o seu sonho de viver tranquilo, no contacto saudável com a natureza mais agreste, mas mais leal, que às vezes compensa até com generosidade, os sacrifícios que se lhe dedicam.
Assim, Joaquim Francisco Ferreira, deixou Luanda e dirigiu-se para o Sul tendo chegado à Hanha a 24 de Junho de 1878, ali se fixando como comerciante e tendo adquirido aos autóctones oito glebas confinantes, fez-se agricultor e instalando uma fazenda que mais tarde se chamou Várzea de São João da Lutira. Fez uma grande plantação de cana sacarina e montou uma indústria que ao tempo tinha uma dimensão surpreendente. E Joaquim Ferreira foi, na Hanha, não só o comerciante, o agricultor, o industrial e até o grande juiz dos diferendos sociais e humanos dos povos da região, tão grande era o seu prestígio, a sua formação moral, a sua dignidade, o humanismo com que se conduzia e o seu elevado espírito de justiça. E de tal modo que facilmente conseguiu junto do Soba da região de nome Catoto, acabar com a pena de morte que então ali vigorava, como castigo para certos crimes, e que os nativos aceitavam com o seu ancestral espírito fatalista. No contexto do seu prestígio granjeado entre o próprio povo insere-se a atitude do Soba Catoto que sempre o procurava para o veredicto final das mais graves questões da sua gente que o Joaquim Ferreira sempre conciliava e resolvia dentro das leis portuguesas, mais humanas e cristãs, que persistentemente ia instilando nas mentalidades primitivas e incultas dos nativos.
Por razões a que já nos referimos, em artigo que assinamos, em “A Província de Angola” de 15 de Agosto de 1967 sobre o Cubal, que não repetimos por ocioso, Joaquim Ferreira, em 1923, veio para o Cubal onde construiu a primeira casa que embora com a traça primitiva alterada, ainda hoje existe à entrada da cidade, à esquerda e próxima da passagem de nível.
O segundo europeu que se instalou no Cubal e aqui construiu a segunda casa, foi Teodoro José da Cruz, pai do saudoso advogado de Benguela e quase lendária figura do seu historial, Dr. Amilcar Barca da Cruz, um dos homens mais cultos que conhecemos e com quem passamos longos e proveitosos serões. Depois, vieram as primeiras brigadas do caminho de ferro que aqui se instalaram provisoriamente.
Mas, como começou o Cubal como região agrícola e portentoso produtor de sisal?
Foi Francisco Severino de Lima, que construiu no Lobito as primeiras casa de madeira para o Estado e que ao Cubal um dia se deslocou enfeitiçando-se pela região e aqui, demarcando um terreno que anos depois deu origem às Fazendas Kiskerhof e Santana e Pires onde inicialmente se fizeram culturas de milho, gergelim e outros produtos característicos da região.
Algum tempo depois, outro advogado de Benguela, o Dr. Baltasar Aguian, avô do brilhante causídico Dr. Paula Azeredo e do grande cirurgião ortopédico do Porto, Dr. Luís Azeredo, procedeu também a importantes demarcações que durante bastantes anos foram dirigidas e desenvolvidas, entre elas a Chimbasse – pelo filho do Dr. Aguian, Paula Azeredo (pai), figura de extraordinária iniciativa e homem de grande humanismo nas suas relações e contactos com os autóctones, que se dedicou ao comércio, agricultura e pecuária e a quem os nativos, pela sua grande actividade e pelo facto de andar sempre de calções de caqui, chamavam o “Kamindumbo”, do “dumbo” com que designavam nesse tempo o caqui.
Em fins de 1913, um ano antes da primeira Grande Guerra, Francisco Severino de Lima, em face do contacto que tinha no Lobito, com os marinheiros dos navios que ali chegavam, teve conhecimento da existência de uma planta que se desenvolvia sem grandes cuidados nas regiões tropicais, o que o entusiasmou, conseguindo que lhe trouxessem das Filipinas, dois sacos de “bolbilhos” que colocou em viveiros e depois plantou em 15 hectares de terreno, no local onde hoje se situa a Administração do Concelho e o prédio de Sebastião das Neves. Foi, portanto, ao que consta, a primeira plantação de sisal da região ou mais propriamente de agave. Todavia, por razões que se perderam no tempo, mas que se deduz e justifica pela falta de conhecimento da industrialização do agave, Francisco de Lima não deu sequência à plantação, que entretanto foi crescendo sem o menor aproveitamento.
Entretanto pouco tempo depois, nasceram as plantações do Cuemba e a Fazenda Aurora, fruto de uma sociedade constituída por portugueses e alemães que fizeram plantações experimentais a partir dos bolbilhos, do Severino de Lima. E em 1927 surgiram no Cubal os alemães Luís e Hanse Spits, com o propósito de fazerem duas plantações, uma na margem esquerda do rio Cubal, onde depois foi a Fazenda Rio-Bom e a segunda no Calenguer.
Em 1929, dois anos depois, fundou-se a “Angola Stats” no Alto Catumbela , que anos depois foi transferida para o Membassoco por se ter reconhecido que este local oferecia melhores condições para o desenvolvimento da planta. Nesse mesmo ano Walter John fundou o “Alto Cubal”, em 1932, Hanse Kisker ergueu a Fazenda Agrícola Kiskerhof. Três anos decorridos, Hernest Marshall iniciou as plantações de sisal no Lompungo (Ganda); em 1937, Sebastião das Neves, esse eterno jovem do Cubal, e que além de pioneiro tem sido dos mais vibrantes entusiastas pelo seu progresso, fundou no Mungué-Cubal, a Fazenda Elisa.
Depois, a história contemporânea e portanto dos nossos dias, que todos conhecemos, cujos pormenores nos abstemos de enunciar para não tornar a descrição fastidiosa, por extensa, mas que fazem parte da gesta humana desta terra que um dia deverá ser escrita por um estudioso, pela justiça que todos devemos ao passado e ao magnífico exemplo dos homens e das mulheres que fizeram do Cubal e onde, uma vez mais, se revelou a sublimidade do espírito fraterno, ecuménico e cristão dos portugueses que souberam viver em paz com os autóctones, com os ingleses que por aqui passaram, e com os alemães cuja colónia ainda hoje aqui permanece, constituindo exemplo de organização as suas fazendas, permanentemente de comportamento cívico, de trabalho e convivência saudável. Isto demonstra, à saciedade, que houve sempre nesta terra, lugar para todos fosse qual fosse a sua origem raça ou credo.
Em 14 de Junho de 1961, é oficialmente fundado o Concelho do Cubal, sendo seu primeiro Administrador Horácio Lusitano Nunes e, ao tempo, Governador de Benguela, essa portentosa figura do escol administrativo, Hortêncio de Sousa. Em Dezembro desse mesmo ano, a Junta local transforma-se em Câmara Municipal e, em 23 de Janeiro de 1968, há precisamente seis anos, a então Vila do Cubal, é elevada por mérito próprio e desejo da sua gente à categoria de cidade de Angola, em cerimónia a que presidiu o então Governador-geral Rebocho Vaz.
E assim entramos no tempo da actual cidade do Cubal e da sua realidade como comunidade humana, perante as suas potencialidades económicas presentes e futuras e bem merece, pela sua expressão significativa no contexto angolano e pelo mais elementar espírito de justiça, que nos debrucemos sobre a sua História, que é a história da grei que tornou férteis os campos e ergueu cidades numa autêntica epopeia de sacrifício e trabalho, como causa determinante dos seus parâmetros económico-sociais.
Cubal, nasceu portanto, da epopeia da permanente luta do homem sobre a terra e da gesta da sua determinação, consciente da autenticidade portuguesa e da sua maneira de estar no mundo, num mundo onde quase sempre os outros nunca tinham chegado. E se assim nasceu, assim terá de continuar, agora com mais responsabilidades, não só porque é cidade, como terá de começar a pensar conscientemente na verdadeira programática do seu futuro, que não poderá continuar circunscrito às flutuações das cotações internacionais do sisal.
O Cubal necessita de estruturar o seu amanhã, a partir de hoje, diversificando culturas, organizando a pecuária e inserindo-se no contexto dos centros industriais de produção. É evidente que isso se não consegue de repente, com o simples toque de uma varinha mágica, principalmente quando não abundam os recursos e falta a coragem e a capacidade de iniciativa. Mas, certos estamos, que o actual Governo lhes não negará as hipóteses possíveis de realização a que tem juz, desde que os problemas sejam equacionados com o realismo indispensável à sua prossecução. Isto é, facultando-lhe no que compete ao Estado, a experiência e nível dos técnicos oficiais e da própria Universidade – pois é para isso que eles existem – instalando parques de máquinas de que todos equanimemente possam beneficiar, principalmente os de mais modestos recursos, organizando convenientemente os Serviços de Veterinária, para apoio a uma pecuária que deve ser olhada com o maior interesse, facilitando e estimulando a criação de indústrias adaptadas às suas condições ecológicas e climáticas, curando com a urgência que se impõe, da Comarca que necessita, melhorando os níveis de ensino e olhando objectivamente para uma eficiente Escola de Artes e Ofícios dirigida ao apoio das Fazendas e à própria agricultura e tudo o mais que constitui o conjunto básico das infra-estruturas que o Cubal necessita para prosseguir como merece, na sua senda evolutiva.
A Câmara Municipal, presidida hoje por um dos seus filhos, com tradições paternas de verdadeiro pioneirismo e por uma pleiade de homens de boa vontade que constituem a sua vereação, tem revelado um dinamismo relevante e saudável e cedo nascerão os frutos da sua honesta dedicação. Que os munícipes os estimulem com o seu apoio e os ajudem nas suas dificuldades.
Muitas são efectivamente as dificuldades, para atender com a oportunidade desejada, aos imperativos de uma jovem cidade onde muita coisa falta e das mais dramáticas e evidentes, as instalações hoteleiras que aliciem visitantes e homens de negócios que aqui se têm de deslocar. Mas, certos estamos, que isso e o mais que é manifesto, virá com o tempo.
Do municipalismo, disse recentemente o Governador deste Estado, Santos e Castro com a coragem do Governador moderno que é, do político inteligente que se tem revelado e na autenticidade do homem de Angola que estratifica a acção sobrepondo-a às ultrapassadas dialécticas que faziam ganhar tempo mas que a nada conduziam disse Santos e Castro, dizíamos nós que “grandes ou pequenas, as cidades não são apenas amontoados de edifícios que se multiplicam sem regras, nem campo para árbitros ou ganâncias especulativas. Nada nelas pertence a um só. A legitimidade indispensável da propriedade privada não pode ir além do que fira ou diminua o que pertence ao foro do bem comum e é património de todos e da cidade em si própria. Viver em sociedade – e a sociedade urbana é bem complexa – exige regras que defendam todos e cada um, e fazê-las cumprir é o primeiro dever dos municípios (...). Têm as Câmaras Municipais de ser persistentes e generosas. Fazer uma grande cidade é missão de tão altos e globais objectivos humanos e sociais que não consente abdicações. (...Que as Câmaras não sejam mesquinhas em nenhuma das suas realizações”.
Estas palavras, estes conceitos, enunciados por quem exerceu funções cimeiras no municipalismo metropolitano e onde deixou obra de grande valia, devem constituir estímulo e autêntica doutrina para quem tem, como a Vereação do Cubal, a responsabilidade de a transformar numa grande cidade.
Alegra-nos saber, que vai ser finalmente instalada no Cubal, uma fábrica para o aproveitamento do seu principal produto, unidade que será instalada com máquinas novas, depois de cuidado estudo técnico-económico para a produção principal de um artigo que Angola importa com dispêndio de preciosas divisas: os sacos, justo é que felicitemos o Governo de Santos e Castro por tão útil como feliz decisão, pois desta vez, instala-se em local próprio e dentro de racionais regras tecnológicas, uma unidade própria e o dinheiro do contribuinte é, felizmente neste caso e nesta unidade industrial, aplicado com gestão inteligente e meritória. E dizemos isto, porque continuamos a condenar, por prejudicial a Angola a instalação de indústrias novas com máquinas velhas e, principalmente que o estado, mal avisado ou menos identificado, auxilie com o dinheiro do contribuinte, sociedades anónimas, com provas negativas de gestão e erros primários de estruturação. Felizmente desta vez fez-se – ou vai fazer-se – o que é racional e inteligente.
Mas o Cubal necessita de mais indústrias e carece, como também preconizou Santos e Castro, que a empresa produtora de energia eléctrica processe rapidamente a ampliação das suas linhas de alta tensão, de forma a alimentar a maior parte das povoações e fazendas desta região, com energia acessível e a preços comportáveis, evitando-se cada vez mais, o dispêndio com importações de motores diesel, com manutenções dispendiosas e o consumo de gasóleo que temos de importar.
Mas, nem só ao Estado se devem pedir as ajudas de que se carece porque ele não pode, por si só, nesta corrida contra o tempo em que todos estamos empenhados, resolver tudo o que é necessário dentro dos imperativos das prioridades a que nenhuma planificação se pode eximir.
Tudo leva a crer, para os que acompanham, lendo e ouvindo o que se passa no Mundo, que os preços do sisal se manterão na alta por bastante mais tempo, pois as fibras sintéticas, seu principal concorrente, derivadas do petróleo, serão cada vez mais caras, porque o preço do petróleo, já não voltará a ser o que foi. É que, por muito estranho que pareça, foi a Venezuela quem primeiro provocou a alta dos preços e não os árabes, como agora se revela. Ora, é preciso abjurar a ideia e tomarmos consciência de que não devemos continuar a ser um país colonizável, que exporta mão de obra e matérias primas. Temos consequentemente, de começar a fabricar os nossos próprios produtos para os valorizar e para isso temos de criar indústrias. E quando dizemos indústrias, não nos referimos a “fabriquetas” utopicamente transformadoras, que servem quase sempre – e apenas – para que alguns pseudo-industriais, transfiram para a Metrópole, em sobrevalorizações de facturas de máquinas e matérias primas que importam, acabadas ou quase acabadas, que apenas servem para provocar o hiperbólico aumento do custo de vida, acabando por venderem pelo dobro o que mais economicamente se poderia importar por metade do seu preço.
Precisamos, isso sim, de indústrias com I maiúsculo, que produzam artigos baratos, que criem lugares de trabalho e que programem obras sociais, porque o trabalhador tem de ser olhado como elemento humano, produtivo e indispensável.
Portanto, não podendo o Estado atender a tudo, compete àqueles que devem ao Cubal a sua independência económica, o bem estar que desfrutam, terem uma visão realista do futuro da terra e das suas próprias fazendas, retribuindo em gratidão o muito que lhe deve. Isto é, têm de começar a pensar em investir na indústria, na construção civil, em melhorar as condições técnicas e produtivas das suas próprias fazendas, estruturando-as racionalmente e beneficiando-as tanto no aspecto tecnológico como nas condições sociais e humanas do trabalhar. Inclusivamente, tentando novas experiências de diversificação de produtos e não esquecendo que é hoje mais do que nunca, necessário promover socialmente o mais válido elemento da comunidade, o Homem.
Ter ideias, defendê-las e lutar por elas, só dignifica o Homem, dando-lhe personalidade e tornando-o cidadão à altura dos seus deveres e direitos. E está suficientemente provado que não há povo evoluído e progressivo, se for atrasado, pouco desenvolvido, se despersonalizados forem os seus cidadãos. Esta é uma verdade incontroversa, tanto mais evidente quanto mais difícil for a crise que nos atormente e nos avassale. Mas ser cidadão evoluído e consciente significa estar atento e intervir com todos os recursos ao seu alcance. Que possa agir e pensar com discernimento e acerto na solução de quantas situações difíceis e problemas intrincados nos assoberbem. Assim, o homem de ideias é, pressupostamente, uma pessoa responsável e sempre que a noção de responsabilidade exista em consciência, não nos desamparará o dever das obrigações que nos são impostas tanto pelas nossas necessárias exigências, como pela nossa tributação social.
As grandes crises sociais são sempre precedidas por actos insólitos e ideias extraviadas e foram sempre conjuntos de irregulares propósitos que desvairaram os homens e o mundo para a consumação de grandes calamidades. Há assim, fenómenos cíclicos que temos de recordar e muitos dos dramas humanos foram precisamente provocados pelos que apenas pensavam com egoísmo, tudo exigindo em seu proveito e nada querendo dar em troca na redistribuição das riquezas para que todos contribuem no contexto da economia de uma Nação ou comunidade.
É isso que queremos recordar, no aspecto social, político e humano aos homens desta terra – e de tantas outras – que a elas tudo devem da sua realização.
O Concelho do Cubal caminha a passos largos para as 100.000 almas e necessita consolidar no presente o futuro que deseja e não só como região agrícola e produtora de sisal, mas enraizando-se na pecuária e na indústria. O sisal não deverá continuar a constituir só por si, a sua única razão de ser. Que se faça pois, o “ponto da situação” e se pense no futuro para que os homens de hoje não tenham de merecer amanhã, dos seus filhos, o julgamento minimizado da sua falta de visão, a crítica pela mesquinhez do seu espírito e o julgamento que a História lhes não perdoará. Que o Cubal seja, pois, com as suas potencialidades materiais e humanas, orgulho de todos nós, como afirmação imperecível da gesta portuguesa num continente que grandes nações abandonaram ao primeiro sopro dos desencantados ventos da História e onde nós ficamos e permanecemos, pelos imperativos conscientes da civilização que trouxemos, pela humanização do trabalho a que nos devotamos, pelo sentimento do valor da pessoa humana e pela convivência cristã, admirável e surpreendente da realidade da nossa maneira de estar no Mundo.
Humberto Lopes
Cubal, 1974


17 dezembro 2025

Cubal vs Ganda: A corrida de 1944 e a batalha campal - Por Rodrigo (Bibito) Guerra


O nosso amigo Rodrigo Guerra (o conhecido Bibito) partilha connosco mais este excelente momento da história cubalense. Uma viagem no tempo até 1944, recheada de humor, rivalidade e daquela vivacidade única das nossas gentes.

Nota prévia: O autor refere-se carinhosamente ao "dia da Cidade". Importa recordar, pela precisão histórica, que em 1944 o Cubal ostentava ainda o estatuto de Vila (a elevação a cidade ocorreria mais tarde), mas como verão nesta estória, o espírito da festa e o orgulho local já eram de uma verdadeira metrópole.

Fiquem com este relato delicioso de uma corrida de bicicletas que acabou... bem, leiam e vejam como acabou!


UMA CORRIDA DE BICICLETAS


Corria o ano de 1944. 15 de Agosto, 3.ª Feira.
O Cubal estava em festa.

Logo ao romper d’alva a população era acordada por um foguete morteiro de um tiro, que se ouvia no Chimbasse, começando a Banda do velho Sambo a tocar e a marchar percorrendo as ruas da povoação, acompanhada por todo o percurso por foguetes de sete tiros. Estavam iniciadas as Festas.

Não existia ainda o Recreativo e a festa era ao ar livre, num arraial montado num terreno baldio ali no quarteirão em frente ao que seria mais tarde destinado à construção do Recreativo.

Barracas feitas com paus de sisal amarrados, cobertas a capim, serviam de abrigo às mais diversas atrações – tômbola, rifas, tiro ao alvo, bola ao pato, e, como não poderia deixar de ser, comes-e-bebes, a mais frequentada. Numa das laterais do terreno, uma barraca destacava-se por ser mais elevada, tipo palafita, com um estrado de madeira leve montado sobre estacas fincadas no chão. Era a barraca destinada à banda de música do velho Sambo, do Bailundo, contratada para animar os festejos.

Naquele Domingo, aconteceria um dos pontos altos do programa: uma corrida de bicicletas. Não pela corrida em si, mas pela velha e acirrada rivalidade Cubal/Ganda que ela representaria, desta feita personalizada por dois dos corredores que polarizavam as atenções e em quem, de um lado os cubalenses e do outro os gandenses, depositavam as suas esperanças.

Pelo Cubal correria o Aguiar, um transmontano franzino, nervoso, do tipo “mais-vale-quebrar-que-torcer” que encontrava, numa obstinação inabalável e vontade férrea, a farta compensação para o pouco físico com que era dotado. Pela Ganda, corria o Domingos, um jovem negro de porte atlético, todo músculos, esbanjando saúde, que os gandenses tinham ido buscar à Chimboa da Ganda, por não terem achado, em sua terra, alguém que tivesse aceitado a responsabilidade de defrontar-se com o Aguiar (meu grande e saudoso amigo que recordo com saudades).

Lá estavam os corredores postados na linha de partida, esperando o sinal.

O circuito era no sentido anti-horário, com a partida e chegada bem em frente ao arraial, curva à esquerda na esquina do quintalão do velho Valentim (onde mais tarde seria o Armazém de Víveres do CFB), descida pela rua da Estação, curva à esquerda na esquina da loja do Guerra, em frente pela rua principal, nova curva à esquerda na esquina do Aurélio Pires (depois loja Candimba), subindo até à esquina do Pereira de Lemos e, de novo, curva à esquerda para passarem pelo arraial, começando tudo de novo. Seriam dez voltas no total.

Tudo preparado, soou o apito dando início à competição. Eram uns dez ou doze corredores mas, logo à partida, dois se destacaram do pelotão. Isso mesmo, o Aguiar e o Domingos. Alarido geral dos assistentes. Logo na primeira curva, o Aguiar tomou a dianteira, aumentando a vantagem na segunda, muito próxima. A multidão que se aglomerava na linha de partida dividiu-se, correndo para ambas as ruas transversais, do Nunes e do Cardoso, para verem os corredores passar pela rua principal.

Para quem estava na primeira transversal, o Aguiar ainda mantinha a primeira posição. Porém, os da transversal do Cardoso já viam o Domingos com ligeira vantagem.
Na esquina do Pereira de Lemos já o Aguiar tomava a frente, mas por pouco tempo pois, por alturas do Valadas (futuro), o Domingos adiantava-se e passava pelo arraial comandando o pelotão.

A história repetiu-se, volta após volta. Mais leve e, provavelmente mais habilidoso, o Aguiar dava-se bem nas curvas. Porém, nas retas, as possantes e vigorosas pedaladas do Domingos não lhe deixavam a mínima chance.

Já os cubalenses previam o desfecho e, possivelmente, lamentavam-se mentalmente por não terem marcado a meta de chegada logo após uma curva. Frustração para os cubalenses, euforia para os gandenses que gritavam feitos possessos a cada passagem dos dois contendores.
A certa altura, os competidores passaram a ser só os dois porque os restantes desistiram, uns por moto próprio e outros por impossibilidade pois, a cada passagem da dupla Aguiar/Domingos, a multidão tomava a pista completamente, ávida para ver o resultado na próxima curva.

De repente, à esquina do Pereira de Lemos, divisaram-se três figuras avantajadas: o Miguel Fernandes (tio do Silva ponta esquerda), o Bernardino Caetano e o Pereira da Silva. Três homenzarrões, companheiros inseparáveis, amigos de uma cerveja em dias de folga e para quem uma briguinha era sempre bem-vinda.

Na penúltima volta, quando os dois concorrentes desfaziam a curva, o Bernardino Caetano gritou para o Aguiar:
Força, Aguiar, que na última ele cai.

Se bem o disse, melhor o fez. Na última volta, o Caetano já munido de uma tranca, pedida emprestada ao Pereira de Lemos, esperou os corredores e, à sua passagem, saltou à pista e desfechou uma trancada nas costas do Domingos, que perdeu o equilíbrio e se estatelou.

Ato contínuo, o arraial transformou-se em campo de batalha. O chefe do posto administrativo, Santos Duarte, confiando na autoridade de que era investido e na farda que vestia, foi o primeiro a cair por terra com um soco de um gandense.

A esta altura, generalizou-se a contenda. Era o arraial todo e suas adjacências tomados pela desordem. Ali, o Jorge da Silva vibrava um tronco de folha de palmeira, das que serviam para enfeitar o arraial, na cabeça do Pinto, fotógrafo da Ganda, atingindo-lhe a orelha esquerda e prostrando-o desmaiado.

A certa altura, um grupo de beligerantes foi de roldão contra uma das estacas que sustentava o estrado da banda, derrubando a barraca, instrumentos e músicos que, entretanto, tinham começado a tocar a “Morena, Linda Morena” na vã intenção de acalmar os ânimos. Foi uma mistura de gente, trompetes, trombones, saxofones, bombos, músicos e partituras espalhados pelo chão.

Terminou a briga com a chegada do Miguel Fernandes, o Bernardino Caetano e o Pereira da Silva que reforçaram as hostes cubalenses.
Vocês pagam – gritavam os gandenses abandonando o “campo de batalha”.
Vocês pagam quando forem à Ganda. Nós estamos lá à vossa espera.
Vocês não têm nada – gritavam os cubalenses – o Domingos é da Chimboa que vocês nem corredores têm. Nós vamos dar a taça ao Domingos, não a vocês.

Assim, os cubalenses ficaram livres do vexame de entregar a taça para a Ganda.

Entretanto, à noite, já tudo consertado, todos se divertiram num animado baile até ao raiar da aurora, com a participação de muitos gandenses que resolveram participar. Afinal, éramos todos amigos... desde que não houvesse uma competição...

Rodrigo (Bibito) Guerra

07 dezembro 2025

Memórias do Cubal: O Zeca Neves e a música "infernal" do Recreativo - Por Rodrigo (Bibito) Guerra

 

Memórias do Cubal: O Zeca Neves e a música "infernal" do Recreativo

Por Rodrigo (Bibito) Guerra


Ilustração do momento em que o Zeca Neves resolve o problema do disco.

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Hoje trazemos mais uma deliciosa história verídica do nosso Cubal, saída diretamente do baú de memórias do Bibito Guerra. É um episódio castiço que nos transporta para as tardes de domingo e para a inconfundível atmosfera do nosso Clube Recreativo.

O protagonista desta história é o Zeca Neves.

Para quem se recorda da geografia da nossa terra, o Zeca Neves morava naquela casa situada na esquina da Rua do Comércio com a rua que subia em direção ao Recreativo, sendo vizinho da Loja Nunes.

A localização era privilegiada, mas tinha um "senão". Logo no quarteirão precisamente atrás da sua casa, ficava o Clube Recreativo do Cubal. E, como todos certamente se lembram, os domingos à tarde eram sagrados: o Clube ligava os seus altifalantes externos no volume máximo, espalhando música pela vila para atrair as pessoas para as suas famosas matinés dançantes.

Para desespero total do Zeca, o rapaz encarregado de colocar os discos tinha uma preferência muito particular por uma certa música. O problema é que o Zeca detestava essa canção, e o DJ, alheio ao sofrimento do vizinho, colocava o disco vezes sem conta, repetidamente.

Certo domingo, o Zeca perdeu a paciência. Os nervos chegaram ao limite. Saiu de casa decidido, foi até ao Clube, dirigiu-se à chamada Cabine de Som e abordou o rapaz que passava a música:

— Boa tarde, amigo — começou o Zeca, calmamente.

— Boa tarde, seu Zeca — respondeu o rapaz.

— Tem um disco que você coloca muitas vezes...

— É, seu Zeca, acho muito bonito!

— Eu também gosto muito e queria comprar um igual, mas não encontro em lado nenhum. Você não me pode vender esse?

O rapaz hesitou, preocupado com as regras do Clube:

— Não posso não, seu Zeca. Os discos são contados sempre e, se faltar um, vão descontar no meu salário.

— Quanto custa um disco desses? — insistiu o Zeca.

— Deve custar uns 30 escudos.

O Zeca, vendo a oportunidade, fez a sua oferta irrecusável:

— Eu vou-te pagar 50 escudos. Dá para comprar outro qualquer para a contagem dar certo e ainda sobra um trocado para você. Que acha disso?

Depois de uma rápida negociação, e com a promessa do lucro extra, o rapaz acabou por aceitar. O Zeca pagou o valor acertado e recebeu o disco nas mãos.

clicar no video acima
Reconstituição do momento em que o Zeca põe fim à música repetitiva.

No mesmo instante, perante o olhar atónito e incrédulo do rapaz da cabine — tal como podemos imaginar ou ver no vídeo —, o Zeca atirou o disco ao chão e pisoteou-o com vontade, fazendo-o em mil pedaços!

Foi assim, com uma medida drástica mas eficaz, que o Zeca Neves se livrou finalmente da tortura que era ouvir tal música, que lhe punha os nervos à flor da pele.


História verídica contada por Rodrigo (Bibito) Guerra.

04 dezembro 2025

Parabéns Toninho Valadas! Recordar os teus 20 anos no Cubal (1957)

 

Hoje, dia 4 de dezembro de 2025, é dia de festa! O nosso amigo Toninho Valadas celebra mais um aniversário. Para assinalar esta data tão especial, a sua irmã, Fernanda Valadas, abriu o álbum de família e presenteou-nos com três testemunhos fotográficos belíssimos.

Estas imagens levam-nos numa viagem direta até 4 de dezembro de 1957. Faz hoje exatamente 68 anos que o Toninho celebrava, rodeado de amigos e família, os seus 20 anos de idade na nossa terra amada, o Cubal.

Foi uma festa animada, "lá em casa", e estas fotos são publicadas hoje com um duplo propósito. Primeiro, para enviar um grande abraço de parabéns ao Toninho, desejando-lhe muita saúde e alegria neste dia.

Segundo, para recordar e homenagear o grupo fantástico que aparece nestas imagens. São registos de um tempo feliz, onde vemos a juventude do Cubal em pleno convívio. Olhar para estes rostos é, também, um ato de saudade e respeito, pois algumas destas raparigas e rapazes já não se encontram entre nós, mas continuam vivos na nossa memória coletiva e na história da nossa terra.

Recordamos quem fez parte deste dia inesquecível:

🪗 A música e a Animação


Nesta foto com o acordeão, vemos a boa disposição do grupo:

Van der Kellen, Telmo, Cassiano, Becas, o aniversariante Toninho Valadas e António Valadas.


🥂 O Brinde aos 20 Anos

À volta da mesa, um grupo numeroso a celebrar o momento:
Becas, Valadas, Lisete, Olga, Isaura, Matilde, Filomena, Júlia, Anita, Arlete, Paula, Augusta e o Toninho.


📸 Família e amigos de todas as idades

Neste registo que junta várias gerações do Cubal:
  • Os Adultos e Jovens:
    Custódia, Lurdes, Dália Botelho, Ilda Fonseca, Isaura Mendes, Olga Valadas, Matilde Mendes, Filomena Cardoso, Graciete Cabral e o Toninho.
  • As Crianças:
    Olguita Valadas (prima), Letinha, Elga, Gena Queiros, Ziza Sampaio, Manuel Sampaio e, em primeiro plano, o Zé Carlos Matos.

Que estas imagens tragam boas recordações a todos os cubalenses e, acima de tudo, que o dia de hoje seja muito feliz para o aniversariante.

Muitos Parabéns, Toninho!

Ruca/Nanda

01 dezembro 2025

Natal de Luz e Memória: Aos que ficam e aos que construíram a nossa história.

 

Nesta época festiva, o nosso olhar percorre o mundo, procurando os amigos e familiares espalhados pela diáspora nestes últimos cinquenta anos. Mas o nosso coração procura também, com profunda reverência, aqueles que já não estão fisicamente ao nosso lado.

Este Natal é dedicado a todos os cubalenses que hoje residem em Portugal e nos quatro cantos do mundo, mas é, acima de tudo, uma homenagem sentida. Uma homenagem aos pais e avós que, com o seu suor, ergueram a cidade do Cubal; e aos amigos deste nosso blogue, companheiros de jornada que ajudaram a construir este espaço de união e que, entretanto, partiram. A saudade é imensa, mas o legado deles permanece vivo em cada palavra que aqui escrevemos.


Eternamente Cubal: Um Natal entre o Céu e a Terra

Cinquenta anos passaram, o tempo não abranda,
Espalhámos sementes por tanta varanda.
Da nossa Terra Amada a Portugal e ao mundo,
Carregamos a herança de um amor profundo.

Mas neste Natal, a prece vai mais além,
Para aqueles que amámos e que nos queriam bem.
Aos que ergueram o Cubal, pedra sobre pedra,
Com a força de quem sonha e o amor que não medra.
Aos que partiram cedo, deixando um lugar vago,
Mas cuja memória é hoje o nosso afago.

Lembramos os amigos deste nosso cantinho,
Que ajudaram o blogue a trilhar o caminho.
Vozes que se calaram, sorrisos que não vejo,
Mas que brilham no céu, num eterno desejo.
A falta que nos fazem, na mesa e na vida,
É ferida de saudade, mas nunca perdida.

Pois enquanto houver um de nós a recordar,
Eles estarão vivos, no brilho do olhar.
Na consoada sagrada, erguemos o pensamento,
Abraçando a ausência com todo o sentimento.

Santo Natal, Cubalenses, perto ou distante,
Aos que estão na Terra, e aos que são luz radiante.
Que a paz nos envolva, num laço que não cansa,
Unidos pela saudade, firmes na esperança.

Um Santo Natal, com muita paz e saúde para todos.
Aos que partiram, a nossa eterna gratidão e saudade.

Ruca

29 novembro 2025

A paixão sobre rodas e a saudade do meu pai Raúl: O último "Voo" do BMW 2800 CS

 

O imponente BMW 2800 CS

A paixão do meu saudoso pai, Raúl, pelo mundo automóvel não era apenas um passatempo; era uma forma de estar na vida, que ficou eternizada em imagens de belas viaturas que ele adquiria e comercializava na nossa terra, no Cubal.

Ainda hoje, fecho os olhos e lembro-me vividamente da rotina que antecedia a chegada de uma nova "máquina". Ele despedia-se de nós em casa, dizia que ia a Benguela ou ao Lobito apanhar o avião da DTA e rumava a Luanda. O objetivo? Adquirir mais uma "bomba" e regressar num instante. E assim era.

Recordo-me tantas vezes da sua chegada de regresso ao Cubal. Vinha de percorrer 600 ou 700 quilómetros, muitas vezes em estradas que não eram propriamente propícias a grandes velocidades ou a carros baixos. Chegava já de madrugada, "estoirado" após horas de condução, mas com o brilho nos olhos de quem trazia algo especial. A sua experiência em mecânica e um instinto inato faziam com que trouxesse sempre belas máquinas, que mais tarde faziam as delícias de diversos cubalenses que as adquiriam.

Mas houve uma viatura que marcou a nossa história familiar de forma diferente. Foi a sua última viatura em Angola: um magnífico BMW 2800 CS, matrícula ANL-30-70.

Curiosamente, este não veio de Luanda, mas foi adquirido, salvo erro, ao Dr. Pinto da Cruz, em Nova Lisboa. Foi neste carro, um verdadeiro ícone de design e potência, que vivi as melhores experiências de velocidade — um segredo cúmplice entre pai e filho, que "não era para se dizer".

Eu, ainda garoto, quando não tinha aulas, aguardava ansiosamente por aquela frase mágica:
"Júlia, vou ali a Benguela buscar umas peças para a oficina e já venho... levo o Ruquinha."

A minha mãe, Júlia, ficava sempre sobressaltada. Ela conhecia bem o "pé pesado" do meu pai e sabia que aquela viagem de ida e volta demoraria apenas duas horas e pouco. Mas a verdade é que, apesar da potência do carro, ele foi sempre muito responsável quando eu seguia a bordo.

Essas viagens eram um prazer indescritível. Não só as idas a Benguela, mas também os passeios à Ganda, à loja do Sr. Júlio Fonseca (outro grande amante de viaturas), onde o Sr. Romão tinha sempre uma tablete de chocolate pronta para me oferecer. Eram tempos de ouro.

Na foto acima, o BMW repousa imponente numa estrada de terra, num contraste belíssimo com a paisagem africana. Na foto abaixo, em Benguela, estamos eu e a minha mãe, testemunhas de uma época feliz.

Fica aqui o registo da sua última viatura em Angola e, acima de tudo, a saudade imensa de um pai extraordinário que merecia ainda estar connosco para partilhar estas memórias.

🖤Ruca

Eu e a minha mãe Júlia em Benguela